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O vírus chinês
| Foto: Fabio Abreu

O presidente Donald Trump passou a só chamar o coronavírus de “vírus chinês”, o que gerou revolta por parte da mídia. Jornalistas que parecem estar no negócio de detonar o governo diariamente falaram em racismo. Trump, porém, constatou apenas um fato: o vírus veio da China. Seria o caso de existir, então, um fato racista?

Mas o uso da expressão por Trump vai além de reforçar um fato: trata-se de uma guerra de narrativas com efeito pedagógico. Tanto que um diplomata chinês tentou espalhar fake news afirmando de que o vírus se originou nos Estados Unidos. Era uma tentativa desesperada de, por meio de teoria da conspiração, retirar os holofotes do cerne da questão: o governo chinês tem mesmo culpa no cartório.

Quando falamos em “vírus chinês”, almas mais sensíveis e modernas temem uma escalada na xenofobia e no preconceito, mas não é por aí. Ninguém está falando que o problema são os chineses em si (em que pesem hábitos pouco higiênicos de alguns), e sim seu regime de governo.

No momento, todos os esforços estão voltados para combater a disseminação do vírus e tratar dos doentes em estado grave. O custo econômico desse esforço todo é gigantesco e nem sequer pode ser calculado por enquanto, mas certamente ultrapassará a casa de US$ 1 trilhão em prejuízos.

Quando o pior passar, porém, e contarmos os mortos e feridos – ou falidos –, será hora de resgatar o debate sobre as causas da pandemia. Se o diplomata chinês espalhou tese conspiratória transferindo responsabilidades, há quem também se deixe seduzir pela teoria da conspiração de que foi tudo um ato deliberado do governo chinês, para enfraquecer o mundo e expandir seu poder. Balela! A China foi um dos países que mais sofreram com o coronavírus.

Não é o caso, portanto, de acreditar que tudo foi calculado e produzido pelo Partido Comunista Chinês. Mas é o caso, isso sim, de apontar para como o fato de se tratar de uma ditadura sem qualquer transparência fez com que a situação saísse de controle. Rodrigo da Silva, fundador do site Spotniks, resumiu bem a ordem cronológica dos acontecimentos, que colocam o PCC no epicentro do problema.

Ele não tergiversa: “A culpa pela pandemia de coronavírus no mundo tem nome e sobrenome: é do Partido Comunista Chinês”. A falta de condições sanitárias de um mercado de animais silvestres em Wuhan, prática comum num país que não oferece segurança alimentar, foi fundamental para o surto. Só depois do Sars-CoV-2, tardiamente, o governo chinês prometeu acabar com a prática.

Um artigo publicado em 2007 por médicos de Hong Kong já alertava que havia reservatório de coronavírus em morcegos e que o hábito do sul da China de “comer mamíferos exóticos” era uma “bomba relógio”. Mas essa bomba não se resume à vigilância sanitária, como explica Rodrigo. E aqui vem o xis da questão: “A China é uma ditadura sem liberdade de expressão, de imprensa, política e religiosa, com opositores e ativistas de direitos humanos reiteradamente presos, torturados e condenados a campos de reeducação. Foi nesse país que o Sars-CoV-2 se espalhou. Em 2002, as informações sobre um outro coronavírus, o Sars-CoV, foram reprimidas pela ditadura chinesa, condenando centenas de pessoas à morte. Tardiamente, o Partido Comunista admitiu os erros e demitiu o ministro da Saúde e o prefeito de Pequim”.

A história se repetiu dessa vez, já que ditaduras não precisam se preocupar muito com o bem-estar da população. No dia 30 de dezembro de 2019, quando a Covid-19 atingiu sete pacientes em um hospital de Wuhan e um médico, Li Wenliang, tentou avisar outros médicos, a polícia chinesa o obrigou a assinar uma declaração de que seu aviso constituía “comportamento ilegal”. Wenliang e outros médicos foram obrigados a assinar documentos assumindo que espalharam “mentiras”. Wenliang acabou morrendo por coronavírus.

Entre o início de dezembro do ano passado e janeiro deste ano, o Partido Comunista Chinês minimizou o surto, como se não passasse de um problema local, limitado a um pequeno número de clientes de um mercado de Wuhan. Qualquer que fosse a causa da doença, “não era nada parecido com Sars”, garantiam as autoridades chinesas.

No dia 24 de dezembro de 2019, uma amostra do Sars-CoV-2 retirada de um paciente foi enviada a um laboratório para o sequenciamento do genoma. Os resultados estavam prontos três dias depois, mas as autoridades de Hubei ordenaram que as amostras fossem destruídas! Em Wuhan, esse era o discurso oficial: “A polícia apela a todos os internautas para não fabricarem rumores, não espalharem rumores, não acreditarem em boatos”.

E, como Rodrigo lembra, as redes sociais que normalmente utilizamos para trocar informações são controladas lá: “Na China, são oficialmente proibidos serviços como Gmail, Google, Facebook, YouTube, Wikipedia, Reddit, Instagram, Twitter e WhatsApp. Como o governo monitora os aplicativos permitidos, controla todo o conteúdo on-line e o tráfego de informações”.

Rodrigo conclui: “Controlando a internet e os veículos de imprensa, o Partido Comunista Chinês não teve qualquer dificuldade em atrapalhar o fluxo de informações da população sobre o coronavírus, colaborando ativamente para que o surto se transformasse numa pandemia”.

Não há como negar a realidade: foi o Partido Comunista Chinês que fez com que o coronavírus se tornasse essa pandemia que colocou o mundo de joelhos. O presidente Trump, portanto, está certíssimo ao se referir ao coronavírus como “vírus chinês”. Em vez de indignação contra o PCC, porém, muitos da imprensa preferem atacar Trump. E ainda chamam de racista ou xenófobo aquele que tem coragem de apontar para a origem do problema. Querem mudar os nomes da gripe espanhola e da peste negra também? O racismo está em quem enxerga racismo nessa simples constatação...

O vírus chinês já mudou nosso mundo, impactando drasticamente as novas gerações. Vamos superá-lo, sem dúvida. E, quando isso acontecer, será crucial olhar com mais cuidado para o “sucesso” chinês. Ele tem um elevado custo normalmente ignorado. Esse modelo não deveria servir de inspiração para ninguém. A liberdade da democracia é sempre melhor do que a opacidade da ditadura.

Rodrigo Constantino, economista e jornalista, é presidente do Conselho do Instituto Liberal.

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