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Gostaria de me juntar à indignação do escritor Marcos Peres, demonstrada no texto "A lei que cria poucos escritores e milhares de leitores", publicado na seção de Opinião da Gazeta do Povo no último dia 18. Em princípio, o título chamou a atenção pelo inusitado, tendo em vista a dificuldade de se formar leitores. A experiência como professor de Teoria Literária do primeiro ano no curso de Letras me fez duvidar de milagres como o proposto pelo título do artigo, logo percebido como irônico. Os recém-chegados acadêmicos de Letras confessam não serem leitores, nem mesmo das obras obrigatórias para o vestibular (e não há, no princípio, discussão sobre valor literário). Daí a ironia, que se faz maior quando se pensa em jovens que escolheram um curso voltado às letras, ao estudo da Língua (ou Línguas) e da Literatura (respectiva à Língua estudada).

Nesse sentido, o Projeto de Lei 290/2013, do deputado estadual Leonaldo Paranhos, não resolve o problema histórico de formação de leitores. O projeto visa, provavelmente, impulsionar o mercado editorial de determinados livros. Pois os estabelecimentos de ensino particular irão adquirir as obras para "trabalhar" com elas e "explicá-las" aos seus alunos. Pois o sistema público de ensino será forçado a adquiri-las (aos milhões) para as bibliotecas das escolas. Pais dedicados as comprarão para os filhos fazerem de conta que a leitura será realizada. Tudo girará em torno do comércio dos livros, seja na esfera pública, seja na esfera privada. Não haverá preocupação com o valor literário, apenas com o valor monetário.

Dessa forma, obrigar a indicação de obras de membros da Academia Paranaense de Letras (apenas eles considerados escritores paranaenses) é regredir ao tempo da ditadura militar e engessar a formação de leitores novamente. Quando tanto tem sido feito pelos professores de Literatura para conduzir ao aprendizado de que literatura não é qualquer obra publicada, um projeto de lei como esse pode colocar tudo a perder. Todavia, antes de qualquer coisa, é necessário concordar com Marcos Peres: a decisão sobre o autor digno de leitura é do leitor, e a obrigatoriedade é apenas obrigatoriedade. Por isso, acrescentaria, é burlada.

Portanto, não basta ser membro de uma Academia de Letras para ser considerado autor de obra com qualidade literária. Quantos estudiosos lembram-se, de pronto, dos membros fundadores da Academia Brasileira de Letras (ABL), além de Machado de Assis? Cito, por exemplo, os parnasianos Olavo Bilac e Alberto de Oliveira. Aliás, quando se pensa na qualidade literária da obra machadiana, o fato de ter sido o primeiro presidente da ABL é insignificante. Na ABL há outros exemplos: alguém conhece obra de ficção publicada por Marco Maciel, Fernando Henrique Cardoso ou Ivo Pitanguy? Não estamos falando de qualidade, apenas de perfil. Isso evidencia, entre os imortais, a presença de intelectuais de diversas áreas do conhecimento e não apenas de escritores renomados de obras literárias. Não devia ser assim, também, a Academia Paranaense de Letras? Formada por um conjunto de intelectuais discutindo os caminhos de nossa cultura e de nossa sociedade?

A cultura de 40 membros de uma entidade organizacional não pode ser forçada goela abaixo dos estudantes do ensino médio. Espera-se a discussão da cultura e da sociedade de milhões de paranaenses, vista em obras como as de Emiliano Perneta, Dalton Trevisan, Miguel Sanches Neto, Cristovão Tezza, Domingos Pellegrini e assim por diante. Disse paranaenses para não dizer brasileiros, para não dizer indivíduos do mundo e de seu período histórico-social. Para não dizer representações humanas, com todas as tragédias e angústias, mas também as comédias e alegrias. Enfim, obras literárias capazes de representar o homem em seu estado mais profundo e gerar a reflexão sobre si mesmo, humanizando como só a própria vida é capaz de humanizar.

Moacir Dalla Palma é professor de Teoria Literária e Literatura Brasileira do Departamento de Letras da Universidade Estadual do Paraná (Unespar), câmpus Paranaguá.

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