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Precisamos fazer uma reforma da Previdência Social de tal forma que possamos pagá-la no futuro, disse o ministro da Fazenda. Os jornais informam que os Correios, empresa estatal, estão com dificuldades para pagar seus funcionários e o seu fundo de pensão está com um déficit enorme. Pode-se inferir que o Estado está caminhando na mesma direção com relação à Previdência?

O Estado faz um recolhimento mensal de um porcentual do salário e dá um destino a esse dinheiro. Qual? Onde? Mensalmente recolhe-se 20% do salário. Em um ano, 2,5 salários são recolhidos e, em 30 anos o montante chega a 75 salários, ou seja, quase seis anos e meio. Este montante pertence, em princípio, ao contribuinte, e o Estado teria como obrigação a devolução.

Manter o valor de compra desse recolhimento é o principal problema. Brasil sem inflação, sem doenças, sem acidentes, sem desempregos, sem mortes por acidentes de trabalho, com bons salários e preços dos bens e serviços sem variações seriam desejáveis. Desta forma, o que se espera é, pelo menos, honestidade e transparência do Estado com o dinheiro do contribuinte.

No sistema previdenciário, o contribuinte está sendo visto como uma despesa

Uma idade mínima para aposentadoria e uma aproximação aos modelos utilizados nos países desenvolvidos são partes de propostas de reforma ao modelo atual. Mas nos sistemas de saúde, moradia, transporte e assistência social deve-se levar em conta como eles funcionam nos países desenvolvidos. Se esses não são problemas da Previdência, certamente são problemas dos cidadãos. O aposentado faz parte de um problema em que todos estão envolvidos: a qualidade de vida.

O país terá uma população idosa maior nos próximos anos e isso tem sido usado para afirmar que ela será um peso aos que estão trabalhando. Pode até ser verdade. Mas é preocupante quando a repetição constante desse fato pode levar os jovens a odiarem os idosos, em vez de estudar o problema. Em média, o brasileiro tem vivido um pouco mais, mas observa-se que muitos morrem ao redor dos 80 anos. Aposentar-se aos 65 e morrer logo depois é muito cruel em um país com baixa qualidade de vida. E muitos atualmente veem no início do recebimento do benefício uma oportunidade de aumentar a renda mensal.

Gasta-se mais com Previdência no Brasil, considerando-se o porcentual em relação ao PIB, que em muitos países desenvolvidos. A pouca renda do cidadão quando ativo economicamente o impossibilita de acumular um patrimônio para uma aposentadoria com qualidade. Se o cidadão tem essa dificuldade de acumular, o Estado tem de bancar, em parte, a qualidade de vida da maioria da população por meio de vários mecanismos de proteção: saúde, transporte, alimentação, entre outros. Nos países desenvolvidos, a renda per capita está acima dos US$ 35 mil, e a do Brasil está abaixo dos US$ 15 mil.

No sistema previdenciário, o contribuinte está sendo visto como uma despesa. Além dos mecanismos para início do recebimento do benefício, não existe uma clareza sobre o ajuste do valor de compra desse benefício com o tempo. O fato é que isso leva a um empobrecimento do aposentado. Modificar esse atual modelo econômico/financeiro é mandatório. Não podemos insistir e esquecer que envelhecer faz parte da vida.

Da contribuição mensal, uma parte fica com o administrador e outra forma o patrimônio. A taxa que fica com o administrador ocorre no tempo presente e o contribuinte recebe um “vale” para o futuro da outra parte. Quem pode garantir o futuro? Somente o Estado pode dar essa garantia. Assim, só poderia existir uma Previdência Social, aquela administrada pelo Estado. As demais são aplicações financeiras com os seus riscos.

Criar uma nova Previdência é outra proposta. O governo poderia emprestar dinheiro dessa entidade e deixaria como garantia letras promissórias, pagando juros de caderneta de poupança. Pelo menos a proposta é melhor que a do FGTS. Mais justo seria transformar a atual Previdência em uma instituição similar ao Banco Central. Se o BC protege a moeda, a Previdência protegeria o patrimônio. Sem corrupção. Com prestação de contas periodicamente. Sem interferência política. Administração profissional. Herdaria o passivo de todas essas distorções atuais. Atuaria como uma empresa em recuperação judicial. Herdou um passivo, respeita e honra os contratos. E segue em frente sob nova administração.

As previdências atreladas a entidades do Estado, empresas estatais, autarquias e instituições são distorções. Ilhas protegidas pelo Estado com a contribuição de todos. Fala-se, também, em casos daqueles que nunca contribuíram e recebem, das aposentadorias hereditárias, das aposentadorias transferidas por casamentos de conveniência e outras mais. Todas têm apoio em normas e leis, não são ilegais, mas precisam ser discutidas, estudadas, impedindo-se que continuem crescendo e provocando mais distorções.

Como os deputados, senadores e governos têm conduzido a discussão? Não conheço outra forma de introduzir confiabilidade nesse debate, livre de ideologias, mas cheio de pragmatismos, que não seja por transparência e participação. A solução deve vir da sociedade e ela tem de assumir o ônus e o bônus. O que está sendo recolhido mensalmente é parte do nosso salário, resultado do nosso trabalho.

A formação do patrimônio, o modelo de expectativa de vida da população, a forma de ajuste do valor do patrimônio no tempo, o início para o recebimento da aposentadoria são peças fundamentais nessa reforma. Já existe um bom conhecimento sobre essas peças. Que seja disponibilizado. O conhecimento não é mais propriedade de um grupo. A internet está aí. Das perguntas, das respostas, das propostas surgirão as soluções. Um cenário. Um futuro. Um custo. Um modelo brasileiro.

Carlos Alberto Picanço de Carvalho, doutor em Informática, é professor aposentado da Universidade Federal do Paraná e foi chefe do Departamento de Informática da instituição.
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