Recentemente, por meio da discussão da ADPF 347, veio à baila a tese chamada “estado de coisas inconstitucional” (ECI) – importada, como muitos dos “instrumentos” jurídicos utilizados no Brasil. Desta vez a importação foi da Colômbia, uma novidade!

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Mas o problema fundamental permanece o mesmo: a incompatibilidade da tese com o Brasil. Não por uma diferença específica da realidade brasileira para a colombiana, mas pela completa incompatibilidade da própria tese com o Estado Democrático de Direito preconizado por nossa Constituição!

Devemos verificar a compatibilidade de casos estrangeiros com nossas soluções, não com nossos problemas

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Quem pode dar cabo deste estado de coisas?

Desde o primeiro ano da faculdade, os juristas aprendem a ser conservadores. O direito existe para conversar um estado de coisas que assegure a estabilidade das instituições. Porém, o que ocorre quando se constata que esse estado de coisas agride aquilo que a segurança jurídica tem de mais caro, que são os direitos fundamentais?

Leia o artigo dos professores Egon Bockmann Moreira e Heloisa Câmara

Esclarecendo o quadro: o PSol foi ao Judiciário pedir que se declarasse o “estado de coisas inconstitucional” a fim de determinar ao governo federal que (dentre outras coisas) elabore e encaminhe ao STF, no prazo de três meses, um plano nacional para modificação das condições do sistema carcerário; após a deliberação do plano nacional, determinar ao governo de cada estado e do Distrito Federal que formule e apresente ao STF, no prazo de três meses, um plano estadual ou distrital, que “se harmonize com o plano nacional”; impor o “imediato descontingenciamento das verbas existentes no Fundo Penitenciário Nacional (Funpen)”; determinar ao Conselho Nacional de Justiça que coordene um ou mais mutirões carcerários etc.

Aqui se faz importante um aviso: quer-se deixar bem claro que não há qualquer pretensão de discutir o objeto da aplicação, ou seja, a constitucionalidade ou não das práticas e do próprio sistema prisional brasileiro, mas apenas a própria tese do ECI em face do direito brasileiro.

O sincretismo é um problema crônico em nosso país, especialmente no direito. Como muito bem enfatiza o professor Lenio Streck, temos uma espécie de síndrome de Caramuru, evidenciada pelo fascínio que nos causam as teses e institutos do direito estrangeiro.

Ora, se temos um problema que parece ser semelhante à situação enfrentada em outro país, usemos a mesma solução! Fantástico? Não, claro que não! Na verdade, trata-se de equívoco que nos custa o respeito às nossas próprias instituições e que desta vez parece querer golpear fortemente a mais basilar de todas: a própria democracia.

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Antes de perguntarmos se houve um detido estudo do caso colombiano, de modo a verificar se os resultados foram positivos ou se a ordem jurídica daquele país foi respeitada, primeiramente devemos verificar sua compatibilidade com nossas soluções, não com nossos problemas. Ou seja, devemos pensar se a indiscriminada importação não irá nos gerar um problema ainda maior que o que se pretende resolver, que é exatamente o caso do ECI!

Neste sentido, acolher a tese de que o Supremo Tribunal Federal tem a possibilidade de declarar um “estado de coisas” como inconstitucional – indo além de sua competência constitucional de invalidar lei ou ato normativo federal ou estadual pela via da inconstitucionalidade – traz consigo a ideia de judicialização da administração pública. Por consequência, representa o aumento das causas a serem julgadas pela corte, que já tem uma pauta quase invencível para seus ministros. Mais do que isso, permite que o Judiciário confirme ou reforme decisões de ordem política, tomadas pelo Executivo ou Legislativo, funcionando não como um poder harmônico com os demais, mas como uma instância superior de decisão e de governo.

Por fim, leva discussões de fato para o controle concentrado de constitucionalidade, o que é assunto para mais um escrito.

Luis Henrique Braga Madalena, mestre em Direito Público, é diretor-geral da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst) e coordenador do curso de especialização em Direito Constitucional da ABDConst.