| Foto: Roberto Stuckert Filho/Presidência da República

De acordo com a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei Complementar 140, de 8 de dezembro de 2011), é de competência do governo do Paraná, desde agosto de 2013, disciplinar como os municípios devem proceder em relação à aprovação dos licenciamentos ambientais. Mas o que vem acontecendo em todo o estado, já faz algum tempo, é um esforço para transferir essa responsabilidade aos municípios com base na justificativa de que a mudança geraria a melhora na qualidade dos processos de licenciamento ambiental. Diante desse cenário, fica o questionamento sobre o que estaria em jogo nessa transferência de responsabilidades, além de uma eventual expectativa de que esses processos serão mais ágeis e, de alguma forma, facilitados.

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É preciso esclarecer que descentralizar o licenciamento ambiental não deve representar apenas um ato burocrático de transferência de uma função do governo estadual – no caso do Paraná, do Instituto Ambiental do Paraná (IAP) – aos municípios. A atividade de concessão de licenciamentos, além de suscetível a pressões de toda ordem por representar a viabilidade ou não de grandes empreendimentos econômicos, exige olhar isento e calibrado para que sejam garantidas condições de impacto mínimo à biodiversidade e comunidades humanas. Certas iniciativas devem passar pelo devido crivo, a ponto de não serem autorizadas.

E, mesmo transferindo a função de licenciar às prefeituras, os órgãos ambientais estaduais ainda seriam responsáveis por monitorar de que forma elas conduzem essa atividade. Em vários municípios, é comum que profissionais que atuam na área administrativa integrem também as Secretarias de Agricultura na pasta de “Meio Ambiente”, o que pode gerar conflito de interesses e ausência de imparcialidade para as análises.

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Fatiar o licenciamento equivale ao absurdo de municipalizar a natureza

Recentemente, o Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção ao Meio Ambiente e de Habitação e Urbanismo do Ministério Público do Paraná divulgou uma nota técnica se posicionando de forma contrária à descentralização dos licenciamentos, apontando omissões e inconformidades praticadas pelos órgãos estaduais, que deveriam zelar pela conservação no Paraná e pedindo cautela e precaução no assunto para que seja possível garantir o cumprimento e o respeito à legislação ambiental. Segundo o MPE-PR, a descentralização é prevista legalmente, mas deve ser feita dentro de critérios seguros.

Para cumprir adequadamente a atividade de concessão de licenciamentos, é necessária a disponibilidade de técnicos qualificados, de equipamentos e informações fornecidas por imagens e levantamentos, além de suporte jurídico qualificado. Outro ponto importante, e que muitas vezes não é levado em conta como deveria, é o monitoramento do processo pós-licenciamento. Esse esforço não pode ser tratado como periférico, nem menos importante. A falta de capacitação técnica das prefeituras e a dificuldade de condução dos processos de licenciamento podem inviabilizar que elas assumam esse papel com qualidade. Processos de licenciamento mal conduzidos, além de impactar drasticamente os recursos naturais, geram graves consequências em termos de insegurança jurídica, com fragilidades ambientais e morosidade do processo em si.

Leia também:  O fast track do licenciamento ambiental (artigo de Marcelo Buzaglo Dantas e Guilherme Schmitt, publicado em 1.º de fevereiro de 2016)

Leia também:Saqueando o futuro (artigo de Clóvis Borges, publicado em 26 de maio de 2017)

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Mesmo sendo adequado o IAP continuar responsável pela concessão das licenças, é notório que há bastante tempo o órgão deixou de cumprir com eficiência suas funções mais básicas. O IAP clama por investimentos e reestruturação urgentes. Há 27 anos não promove concurso para ingresso de novos técnicos qualificados. Em todo o país, aliás, predomina uma evidente política de enfraquecimento das entidades ambientais, que deixam de cumprir suas funções por falta de estrutura estatal e apoio. Esse fenômeno decorre de pressões setoriais e interesses privados, que buscam estabelecer uma condição de isenção sobre as limitações legais de proteção à biodiversidade.

Não é nada responsável, portanto, essa evidente permissividade, que só poderá atrair ainda mais inconsistências, prejuízos e atrasos nos processos de licenciamentos. Fatiar o licenciamento equivale ao absurdo de municipalizar a natureza. Interesses coletivos não devem, nunca, ser suprimidos pelo interesse de alguns em explorar com irresponsabilidade, driblar a legislação e lucrar a qualquer custo.

Marcelo Bosco é biólogo e coordenador de projetos na Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS).