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Auxílio emergencial
| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

As perguntas mais embaraçosas são feitas pelas crianças. A sobrinha de uma amiga perguntou: “se existe dinheiro e as pessoas não estão gastando, onde está o dinheiro?”. A indagação pode ser dirigida para o ambiente microeconômico (uma pessoa, uma família) ou para o ambiente macroeconômico (o país inteiro). Se existe um volume de dinheiro em circulação e, de repente, as pessoas param de trabalhar, o comércio fecha, as fábricas reduzem as atividades, os profissionais liberais param de atender, os aviões param de voar, os hospitais ficam ociosos e, enfim, as pessoas param de gastar,  a pergunta “onde está o dinheiro?” é pertinente.

Dar uma explicação didática, compreensível para todos, inclusive a uma criança, é um desafio. Mas é possível. Durante o ano, o país produz desde um pé de alface até um foguete lunar. Todo o produto nacional é uma pizza com duas fatias. Uma, são os bens e serviços de consumo, ou seja, o que é produzido e consumido basicamente no próprio ano. Os bens são produtos físicos, enquanto os serviços são produtos não físicos, como um corte de cabelo, consulta médica, sessão de academia, atendimento psicológico, um show musical, um curso, uma viagem etc.

A segunda fatia são os bens de capital. Enquanto os bens e serviços de consumo são produzidos e destruídos (consumidos) quase tudo no mesmo ano, os bens de capital são os que aumentam o chamado “capital físico” e não são consumidos, por isso os chamamos de “investimentos”, a exemplo de rodovia, ferrovia, ponte, prédio industrial, máquina, equipamento, caminhão, ônibus, avião, uma fábrica nova etc. São bens que ficam incorporados ao sistema produtivo nacional.

A soma de bens e serviços de consumo mais bens de capital produzidos no ano é o que os economistas chamam de Produto Interno, que pode ser bruto ou líquido, o que não vem ao caso no momento. Os bens materiais podem ser vistos e tocados, enquanto os serviços, não. Também não dá para somar coisas diferentes. A soma de um pé de alface mais um litro de leite e mais uma cirurgia não resulta num total expresso em uma medida. É preciso reduzir todos a uma medida só, que são os preços. Em 2019, o produto interno brasileiro foi de R$ 7,2 trilhões, e estima-se haver mais de um milhão de itens de preços.

O país produziu R$ 7,26 trilhões em 2019 por meio de um sistema complexo, com os recursos da natureza, o trabalho humano, o capital físico e a iniciativa empresarial. Durante o ano, funciona um sistema de trocas (mercado de compra, venda, aluguel, empréstimo, doação) por meio de um “vale”, a moeda. Como instrumento de troca e meio de pagamento, a moeda não é apenas o dinheiro físico, as notas em papel e as moedas metálicas. Os meios de pagamentos nas trocas comerciais e outras operações econômicas são a moeda manual, os depósitos bancários, os cartões de crédito, as transferências bancárias e outros meios eletrônicos de pagamentos.

Outra criança poderia perguntar: quanto de dinheiro há na economia? A moeda física, como as crianças conhecem, é uma parcela pequena de todos os meios de pagamentos, e está desaparecendo, enquanto os pagamentos eletrônicos estão crescendo. O total de moeda resulta da quantidade de produto (Q) vezes os preços (P) mais as transações monetárias que não envolvem produtos fabricados no próprio ano, como um empréstimo, uma doação ou a compra de um carro velho.

O total de moeda (M) é o necessário para viabilizar as trocas no mercado de bens e serviços, no mercado de crédito e direitos, no mercado de trabalho e nas operações meramente financeiras. A moeda física tem uma velocidade (V). Você vai a um restaurante no dia do ano novo, paga com uma nota de 100 reais, o dono paga o garçom, este compra uma camisa, o dono da loja enche o tanque do carro com aquela nota... ou seja, a nota circula o ano inteiro pagando um total em compras muitas vezes maior que seu valor de face. Isso é a velocidade da moeda.

A resposta começa aí. A velocidade de circulação da moeda, tanto a física quanto a eletrônica (ou escritural), diminui quando a economia entra em recessão e o volume de operações econômicas diminui. Então, o dinheiro repousa mais tempo no bolso de cada detentor, se for moeda física, e menos pagamentos eletrônicos são feitos. No caso desta crise, o país não parou totalmente. O pão, o leite, a manteiga em seu café da manhã, seu almoço, a energia, a água, a televisão, enfim, a produção disso tudo continuou. São produtos sem os quais não há vida.

A recessão pode fazer o produto nacional cair 8% em 2020, portanto, mesmo com crise o país produzirá 92% em relação ao ano anterior. O desemprego vai aumentar, as transações vão diminuir, mas o dinheiro continuará circulando, porém, a uma velocidade menor. A resposta então é: tanto a moeda física quanto a moeda escritural (ou eletrônica) continuarão circulando, porém mais devagar. O dinheiro vivo ficará mais tempo parado no mesmo bolso. Coisas da economia!

José Pio Martins, economista, reitor da Universidade Positivo.

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