| Foto: Robson Vilalba/Thapcom

“Não olhe para onde caiu, olhe para onde escorregou”. (Provérbio africano)

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Estamos num enorme buraco, e infelizmente muitos não parecem dispostos a parar de cavar. O risco de o Brasil continuar afundando não é nada desprezível. Para se ter uma receita boa, primeiro é necessário um diagnóstico preciso de nossa doença. O objetivo aqui, portanto, é resumir onde foi que nos perdemos, caindo nessas inúmeras armadilhas que produziram esse caos.

O artigo será um resumo da palestra que fiz recentemente na Associação Comercial do Paraná. Pelo retorno que tive, acho que consegui fazer uma boa síntese de nossa situação e transmitir aos presentes a urgência de mudanças, se não quisermos perder mais uma geração. O tom não é exagerado: meu pessimismo de antes se mostrou tímido perto do que efetivamente ocorreu.

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Voltando um pouco no tempo, vou resgatar a mensagem que espalhei em artigos, vídeos e palestras à época da bonança, quando a capa da revista britânica The Economist colocava um Cristo Redentor alçando voo. Todos estavam encantados com o Brasil, mas algumas Cassandras alertavam que era tudo uma ilusão, um otimismo insustentável. Quais as causas dessas expectativas irreais?

Quando a crise estourou, nos anos 2000, economistas pediram estímulos fiscais e monetários para impedir uma recessão maior

De forma bem simplificada, foram quatro os fatores, dois externos e dois internos. Do lado externo, tivemos o custo muito baixo de capital no mundo e o crescimento chinês. Quando a crise de tecnologia estourou, nos anos 2000, economistas pediram estímulos fiscais e monetários para impedir uma recessão maior e puxar a demanda agregada. Paul Krugman chegou a sugerir uma bolha imobiliária para evitar o pior. Às vezes é preciso tomar cuidado com o que se deseja.

Veio a bolha, que também estourou em 2008. Para quem tem apenas um martelo, porém, tudo se parece com prego. Os mesmos “especialistas” entraram em campo com a receita: mais estímulos. Vieram rodadas de injeção sem precedentes de liquidez nos mercados. Isso jogou a taxa de juros para zero nos países desenvolvidos e, sem retornos em seus quintais, os investidores entraram em pânico e partiram em busca de aventuras.

O excesso de liquidez produzido pelos bancos centrais é análogo a uma festa regada de bebida alcoólica: após algum tempo os presentes relaxam seus critérios de análise e passam a escolher ativos menos atraentes em condições normais. É nesse contexto que um país continental como o Brasil entra no radar de todos, e se torna a noiva desejada, mesmo sob o comando de uma Dilma Rousseff. Os gringos nem queriam saber de detalhes, pois o dinheiro ardia em suas mãos.

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Já o fator China se deve ao acelerado crescimento por anos a fio após o pragmatismo de Deng Xiaoping, para quem não importava a cor do gato, desde que ele pegasse o rato. O gigante deixava o comunismo para trás na prática e mergulhava na globalização, permitindo o “pecaminoso” lucro de iniciativas privadas e os investimentos de multinacionais. Retirando milhões do campo todo ano e os colocando na frente de máquinas modernas, o choque de produtividade foi simplesmente fenomenal.

Opinião da Gazeta: Inflação, juros e crescimento (editorial de 25 de junho de 2018)

Leia também: O presidente de que o Brasil precisa (artigo de Edson José Ramon, publicado em 12 de junho de 2018)

Com isso, não só a China passou a demandar vorazmente recursos naturais que o Brasil, por sorte do destino, tem em abundância, como passou a exportar deflação, inundando os mercados com seus produtos mais baratos. Isso fez com que os índices de inflação não acusassem o golpe dos estímulos dos governos, que mantiveram a farra por mais tempo do que poderiam.

Esse é um breve resumo dos pilares externos. Já do lado doméstico, tivemos a “herança bendita” da era FHC, com o tripé macroeconômico e o bônus demográfico. A responsabilidade fiscal, o câmbio flutuante e um Banco Central com autonomia para perseguir uma meta de inflação foram conquistas importantes do país, que até uma Marina Silva passou a defender. Mesmo Lula, em seu primeiro mandato, não ousou mexer nessa vaca sagrada, o que ajudou a criar o clima favorável para nosso voo de galinha.

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O bônus demográfico, por sua vez, representa a janela de oportunidade nas contas públicas e mercado de trabalho, graças a um povo ainda jovem. O sistema previdenciário é insustentável no mundo todo, pois é um esquema de pirâmide; mas, quanto mais velha for a população média, mais explosivo ele é. O Brasil, porém, está ficando velho antes de ficar rico, o que eleva o grau de perigo. O melhor da janela já passou, justo na era petista.

Esses quatro pilares explicam o grosso de nosso sucesso meteórico, e também declínio mais veloz ainda. Fomos uma cigarra irresponsável que ganhou na loteria, e passamos a cantarolar como se o verão fosse eterno. O inverno inexoravelmente chegou. Quando a maré baixou, fomos pegos pelados, sem fundamentos para justificar a euforia prévia.

A crise que se abateu sobre o país foi brutal, agravada pela insistência espantosa do governo petista nos erros passados

O resto é história: a crise que se abateu sobre o país foi brutal, agravada pela insistência espantosa do governo petista nos erros passados. Veio o impeachment, alimentado por 15 milhões de desempregados. O esgarçamento do tecido social também fora total, com a anomia produzida por mais de 60 mil homicídios por ano. Na era das redes sociais, o povo sentiu a crise de representatividade e não confia mais no establishment, incluindo classe política e mídia.

Surge, então, a demanda por um outsider com viés reformista na economia e duro no comportamento, especialmente no combate à corrupção e à impunidade dos marginais. Ou seja, alguém que ataque os privilégios estatais e defenda privatizações do lado econômico, e prometa colocar ordem nessa bagunça “progressista”. Um sujeito que tenha batido de frente com o PT, já que muitos o identificam, corretamente, como parte do problema. E que não tenha uma postura acovardada no momento de comprar briga com “tudo isso que está aí”, a começar pela imprensa, que foi, em parte, negligente com ou cúmplice do projeto esquerdista que destruiu a nação.

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Esse é o quadro que se apresenta hoje e que explica as pesquisas eleitorais. Não é um fenômeno passageiro, mas uma reação legítima, ainda que visceral, à podridão espalhada por todo canto, e que a Lava Jato ajudou a expor. Se escorregamos no esquerdismo, nada mais natural do que a população demandar uma guinada à direita. E, de preferência, com alguém que simbolize a honestidade e a firmeza contra o “sistema” podre.

Rodrigo Constantino, economista e jornalista, é presidente do Conselho do Instituto Liberal.