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Alguns caridosos não se contentam em fazer a caridade e precisam também odiar; e odiar o "maldito capitalismo" é o esporte preferido dos que julgam deter o monopólio da bondade

Meu artigo anterior, intitulado "Os malditos capitalistas", valeu-me alguns comentários, todos muito respeitosos. Em um deles, o leitor disse o seguinte: "Entendi a lógica do capitalismo e a importante função do empresário em descobrir, investir, correr riscos, inovar e fazer a produtividade aumentar até o máximo. Mas o capitalista é insensível em relação aos pobres e aos fracos e esse sistema produz miséria, pois é concentrador de riqueza, acumula lucros para o empresário e não distribui. Logo, de que adianta produzir tanto? Eu prefiro trabalhar ajudando os outros e faço parte de uma instituição de caridade".

Respondi ao caro leitor dizendo que, para poder trabalhar gratuitamente para os pobres, ele deve sustentar-se por uma de quatro hipóteses: a) ele recebeu herança; b) ele ganhou na loteria; c) ele tem alguém que o sustenta e lhe paga as contas; d) ele vive de aposentadoria. Fui informado de que o pai era um médio empresário e lhe deixou três imóveis, cujo aluguel lhe permite um bom padrão de vida (hipótese "a"). Vamos examinar isso, ponderei.

Primeiramente, é preciso lembrar que o capitalismo tem duas grandes máquinas: a máquina de produzir (o setor privado) e a máquina de distribuir (o governo). O governo fica à espreita, olhando os "malditos capitalistas" produzirem e, assim que o processo produtivo entra em ação, ele se atravessa no caminho e toma um pedaço da renda gerada pelas pessoas e pelas empresas. Esse confisco, que é legal e chega a 38% de tudo o que é produzido, tem por objetivo formar um bolo de dinheiro destinado a fazer o que o caro leitor faz: distribuir serviços à população, sem nada cobrar diretamente.

Para o bem da sociedade, o empresário deve existir não em função de bondade, mas de eficiência. É a eficiência que gera produto, renda, emprego e tributos e, se os eficientes não produzirem, os caridosos não terão o que distribuir. Entre um empresário bondoso e ineficiente e outro insensível e eficiente, devemos ficar com o segundo, pois só há tributo quando existe riqueza gerada. A função social do setor privado está fundamentalmente nos tributos que paga. É óbvio que o empresário deve respeitar o trabalhador, cumprir as leis trabalhistas, comerciais e ambientais; mas isso não é bondade, é legalidade.

Lembrei ao leitor que o lugar onde há o maior volume de dinheiro fluindo para o caixa das organizações filantrópicas é nos Estados Unidos. Mas de onde vem toda a dinheirama? Do lucro das empresas e da renda do setor privado, claro. Onde não há lucro e renda privada não existe imposto, nem doação, nem caridade. Voltando ao leitor, eu lhe disse:

"Você só pode trabalhar gratuitamente para os pobres porque seu pai foi um ‘maldito capitalista’, que trabalhou, lucrou e não distribuiu, deixando-lhe uma bela herança. Logo, o que você está fazendo agora é somente doar um pouco dos lucros de seu pai para os pobres. E você nem está distribuindo os imóveis (que são lucros acumulados), mas os mantém, desfruta do aluguel e, por isso, pode trabalhar de graça na caridade. Se alguém tem mérito é seu pai, não você, pois se ele tivesse distribuído tudo, você estaria trabalhando duro por um salário para sustentar a si e sua família. Em resumo: sua caridade não existiria se antes não tivesse havido lucro, do qual você agora desfruta".

O capitalismo é daquelas coisas que muitos têm prazer em odiar, mas que irritantemente funciona. Alguns caridosos não se contentam em fazer a caridade e precisam também odiar; e odiar o "maldito capitalismo" é o esporte preferido dos que julgam deter o monopólio da bondade. O sistema tem falhas, o mundo corporativo pode ser cruel e você não deve esperar amor ou compaixão de seu patrão. Ou você é útil ou o sistema o põe para fora. Por isso, a tarefa de cuidar de si e de seu futuro cabe a você e não a outrem. Logo, não coloque sua felicidade na mão dos outros.

A questão é que a falha maior não está na máquina de produzir (a empresa); está na máquina de distribuir (o governo). Esta é cara, desperdiça muito e é generosa com os que a tripulam. Os que pregam a distribuição do bolo querem mais é o controle da faca, a qual usam primeiro para cortar uma gorda fatia para si mesmos. Os caridosos são os tijolos que cobrem os buracos que o governo deixa abertos no organismo social e os benemerentes são bem-vindos. Mas a existência deles depende do lucro e do excedente social.

José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo.

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