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Imagem ilustrativa.| Foto: Divulgação/Exército

Recentemente o ex-ministro Nelson Barbosa anunciou a criação do alvissareiro Centro de Defesa e Segurança. Afirmou esperar que ele venha ajudar a corrigir a falta de uma cultura de defesa na sociedade e contribuir para a construção de um diálogo estratégico entre civis e militares. Apresentou também uma questão: a política de defesa deve ser definida pela visão apenas da política militar de defesa? Esta questão foi colocada porque, segundo ele, o tema em pauta se encontra no âmbito militar.

Apesar de ser uma questão muito relevante, parece apropriado pensar que outra deve antecedê-la. Com efeito, se a política de defesa tem sido definida pelos militares, cabe perguntar: por que os civis não participam incisivamente do ato de sua elaboração? Ressalte-se que o envolvimento deles é muito almejado, e os próprios militares têm se mostrado favoráveis a ele, pois consideram que podem surgir contribuições relevantes. Ademais, o empenho dos civis tende a conferir mais validade e legitimidade à discussão, o que é totalmente consoante ao regime democrático.

Embora não haja a pretensão de apresentar uma resposta categórica a esta pergunta, cabe expor alguns fatores elucidativos. Inicialmente, vale lembrar que qualquer exame do tema relativo à defesa leva obrigatoriamente a uma associação com a guerra. A título de ilustração, mencione-se que a quase totalidade dos docentes universitários de áreas afins, desde meados do século passado, optaram pelo afastamento da geopolítica por causa do transvio científico e ético de seus construtores na segunda conflagração mundial.

Internamente existem mais agravantes. Uma delas, e talvez a mais destacada, se refere ao fato de que nossos militares, desde a proclamação da República até período recente, adotaram o militarismo como forma de conduta, o que se materializou inúmeras vezes pelo exercício do poder moderador e do golpe aplicado em 1964. Outros estão relacionados a alguns acontecimentos que emergiram recentemente. Tal é o caso do capitão presidente que, ancorado no elevado prestígio das Forças Armadas, tentou colocar em prática um projeto autoritário de governo. Várias de suas reprováveis condutas levaram alguns generais palacianos a expor afirmações preocupantes, propalar notas ameaçadoras, proferir frases espavoridas e verberar conjuntamente de maneira intimidatória. Emergiram dois abaixo-assinados elaborados por militares da reserva, sendo um de apoio e outro de cunho descortês. Em entrevista recente, o general Hamilton Mourão teceu elogios ao soturno coronel Ustra, que já foi enaltecido várias vezes por Bolsonaro.

Estas manifestações ocorreram em meio a um silêncio sepulcral dos militares da ativa, sob a justificativa de que são apolíticos e devem manter uma posição de neutralidade. É uma justificativa extremamente frágil, pois se desconhece qualquer referencial filosófico ou científico que lhe confira sustentação. Assim sendo, eles perderam a chance ímpar que a história lhes proporcionou de condená-las publicamente. Observe-se que tal condenação se revelaria como um ato acertado, pois é consoante ao papel constitucional de defensores da democracia. Ademais, a nossa Carta Magna garante a todos os cidadãos militares o inalienável direito de expressão, o qual não está submetido aos rígidos princípios castrenses de hierarquia e de disciplina.

Nestes dois últimos anos tem acontecido também o recrudescimento da militarização no âmbito do governo e da sociedade; os servidores fardados já disseram querer um elevado contingente de soldados bem adestrados, assim como armamentos ultramodernos, embora inexista qualquer hipótese de guerra contra o Brasil. Isto tem muito a ver com a elevada autonomia deles no âmbito do Estado, incompatível com o regime democrático. Perseveram, defendendo o papel de garantidores da lei e da ordem, o que lhes conferiria suporte legal para realizar incursões na vida social e política do país; seguem apegados à concepção de tutela sobre o Estado; e devem continuar portando um amainado sentimento de superioridade.

Observe-se, ainda, que os militares se valeram da proximidade com o atual presidente para conseguir materializar algumas de suas custosas aspirações, e prosseguem reivindicando 2% do PIB para a Defesa. Recentemente, um grupo da reserva que se julgou preterido fez uma manifestação pública reclamatória a Bolsonaro. Parece óbvio que estes fatos revelam escassez de sensibilidade e de solidariedade frente à grave situação social acirrada pelo avanço da pandemia e às múltiplas e recorrentes carências da população.

Embora estas ocorrências e peculiaridades não se mostrem como fatores impeditivos ao diálogo com os civis, parece indubitável que se revelam como aspectos desfavoráveis a ele, pois tendem a nutrir sentimentos de desconfiança e de descrédito. É aceitável supor que uma declaração dos militares atuais voltada à reprovação do papel moderador exercitado pelos seus colegas do passado, à incriminação daqueles que participaram do golpe em 1964 e a um pedido de saída dos companheiros que se encontram a serviço do atual governo seja capaz não só de atrair civis qualificados, mas também facilitar a conversa e o relacionamento com os paisanos em prol da elaboração da política e da estratégia nacionais de defesa.

Antonio Carlos Will Ludwig é professor aposentado da Academia da Força Aérea, pós-doutorado em Educação e autor de “Democracia e Ensino Militar” e “A Reforma do Ensino Médio e a Formação Para a Cidadania”.

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