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 | Jean-Marc Ferré/UN
| Foto: Jean-Marc Ferré/UN

No início do mês, o Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU) indicou por aclamação o nome do português António Guterres para o cargo de secretário-geral da entidade. A indicação foi confirmada por unanimidade pela Assembleia Geral. A escolha de Guterres para liderar a ONU, por um lado, traz um certo desapontamento e, por outro lado, sugere possíveis avanços em alguns grandes desafios globais.

O desapontamento surge ao se observar a questão sob a ótica de gênero. Esperava-se que uma mulher fosse a indicada ao cargo. O escolhido acabou sendo um homem, branco, da Europa Ocidental. Ter uma mulher à frente da ONU – juntamente com outras à frente, por exemplo, do Chile, Coreia do Sul, Reino Unido, Alemanha, Fundo Monetário Internacional e, pelo que indicam as pesquisas de opinião, Estados Unidos – seria um progresso em uma política internacional profundamente machista.

Estados Unidos e Rússia veem Guterres como um interlocutor qualificado

Contudo, a escolha de Guterres também sugere avanços significativos. O mais imediato deles é o simples fato de ter havido um processo seletivo para indicá-lo. Seus antecessores eram escolhidos a portas fechadas. O processo realizou-se em seis rodadas de votações nas quais os 15 membros do Conselho de Segurança indicavam aos 13 candidatos ao cargo (destes, sete mulheres) se encorajavam, desencorajam ou não tinham opinião sobre suas candidaturas. Guterres foi o único candidato a ter acima de dez encorajamentos em todas as rodadas e a não ter, na última votação, um veto de algum membro permanente do CS.

Guterres destacou-se por ser o mais experiente de todos os candidatos. Para além de ter sido primeiro-ministro de Portugal entre 1995 e 2002, foi Alto Comissário da ONU para os Refugiados por uma década, de 2005 a 2015. Esta é uma grande vantagem, pois um dos principais desafios do cenário internacional atual é precisamente a crise dos refugiados. Esta é a mais grave crise humanitária desde a Segunda Guerra Mundial e tem exposto todas as fragilidades da União Europeia (UE) ao lidar com o assunto. Portanto, ter um secretário-geral com uma longa experiência no tema e bom trânsito na diplomacia europeia abre margem para avanços.

Além disso, o modo como Guterres foi eleito pode significar avanços em outro grande desafio internacional – a crise na Síria. Ter sido eleito por unanimidade, e sem nenhum veto dos membros permanentes, indica que os mesmos, incluindo Estados Unidos e Rússia, o veem como um interlocutor qualificado. Isto é central em um cenário em que o diálogo entre ambos, fundamental para a superação da crise na Síria, está cada vez mais esgarçado.

A escolha de Guterres pode significar, também, um avanço na estrutura da própria ONU. Ele já argumentou várias vezes que a organização deve se reformada, tornando-a mais eficiente frente aos desafios globais, inclusive alargando seu Conselho de Segurança. Isso pode beneficiar o Brasil, pois Guterres já defendeu a entrada do país como membro permanente do CS. Está por ver se será aproveitada esta oportunidade para uma inserção qualificada do país na política internacional e da língua portuguesa na ONU. Espera-se que o país compreenda o quão oportuna é a escolha de António Guterres.

Ramon Blanco, doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Coimbra, é professor da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila) e docente do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política na Universidade Federal do Paraná (UFPR).
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