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Pelo respeito a todas as famílias

Dados do Censo Demográfico de 2010 (IBGE) retratam a existência da diversidade nos arranjos familiares atuais: 66,2% são famílias "nucleares" (definidas como um casal com ou sem filhos, ou uma mulher ou um homem com filhos); 19% são estendidas (mesmo arranjo anterior, mas inclui convivência com parente ou parentes); 2,5% são compostas (inclui convivência com quem não é parente) e os demais 12,3% são pessoas que moram sozinhas.

No entanto, em outubro de 2013, um deputado federal apresentou na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) n.º 6.583/13, o "Estatuto da Família". Nele, o artigo 2.º estabelece que "para os fins desta lei, define-se entidade familiar como o núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável, ou ainda por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes".

Leia a opinião completa de Toni Reis, doutor em Educação, é casado com David Harrad há 25 anos. São pais de três filhos.

Numa correta compreensão do Estatuto da Família, algumas perguntas, que correspondem a argumentos de razões públicas, devem ser respondidas antes de se chegar a qualquer conclusão serena. O que é mais importante para a gênese do tecido social: uma família em que o casamento seja dotado de complementaridade sexual ou as parcerias homossexuais? Em qual dessas famílias reside o princípio autoconstitutivo e "genético" da sociedade? Em qual delas, segundo suas peculiaridades intrínsecas, os valores podem ser melhor transmitidos à geração sucessiva? Em qual delas os novos cidadãos crescerão melhor, de modo a estruturar-se e ampliar, de modo natural, as próprias personalidades?

Em qual desses modelos se respeita a opção natural da criança em gerar prole quando alcançar a maturidade? Que obrigações a sociedade deve assumir em relação a uma e outra família, e em que grau? Em que medida cada uma delas contribui para o incremento do bem comum? A equiparação da família baseada na relação homossexual não seria um privilégio, afetando o princípio da igualdade? Discriminar é separar, distinguir. Continuamente separamos e distinguimos. Diferenciamos entre pessoas boas e ruins, livros agradáveis e desagradáveis, comidas palatáveis e não palatáveis. Cada vez que elegemos algo, discriminamos inconscientemente, pois, ao optar por este, descartamos aquele. Discriminar é necessário e inevitável. Apenas é reprovável a discriminação injusta, aquela que carece de qualquer fundamento. Assim, chamar cada coisa pelo devido nome é uma justa discriminação.

Nessa linha, não me parece que a defesa da noção de uma "família tradicional", no seio do debate sobre o Estatuto da Família, implique numa discriminação estritamente falando, ou mesmo numa negação de direitos a uma minoria. O ponderado fator de discrímen reside justamente nos elementos objetivos que o Direito exige para que um fato da vida seja dotado de juridicidade familiar: a dimensão procriadora, os desimpedimentos legais para a constituição dos vínculos familiares, segundo a ordem social (Artigo 1.521 do Código Civil), e a exterioridade da relação, como as declarações expressas de vontade e a filiação.

É necessário refletir sobre a diferença entre o comportamento homossexual como fenômeno privado e como comportamento público, legalmente previsto, aprovado e convertido numa das instituições do ordenamento jurídico. As leis civis são os princípios que estruturam a vida do homem em sociedade, para o bem ou para o mal, segundo seus fins naturais.

As formas de vida e os modelos nelas traçados não somente configuram a vida social exteriormente, mas tendem a modificar, nas novas gerações, a correta compreensão e valoração dos comportamentos empiricamente vividos no seio social. A extensão do conceito de família natural – e de sua dimensão etnograficamente estável ao longo dos séculos – para os homossexuais pela via legal estaria destinada a provocar o obscurecimento da percepção de valores fundamentais e caros para a sociedade, dado que atrelados à sua própria subsistência. E, ao cabo, provocará a própria autodiscriminação da homossexualidade, ao se pretender desconhecer a realidade desta condição. Em suma, misturar tudo para alegar o novo apenas serve para revelar a verdade dos contornos do velho.

André Gonçalves Fernandes, juiz de Direito e doutorando em Filosofia e História da Educação, é pesquisador, professor do IICS-CEU Escola de Direito, membro da Comissão Especial de Ensino Jurídico da OAB/SP e coordenador do IFE Campinas.

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