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Donald Trump paralisou o governo na tentativa de conseguir verba para construir um muro fronteiriço que, segundo ele, vai acabar com a imigração ilegal, mas, na verdade, ele quer mais. Durante a parada de três dias, em janeiro passado, exigiu uma redução de 40% na imigração legal, alegando que o país está atolado de estrangeiros.

“Há um limite para o número de pessoas que uma nação pode absorver, de forma responsável, em sua sociedade”, declarou.

E ele não é o único a evocar esse bicho-papão. Tornou-se visão convencional em todo o espectro político a ideia de que os EUA estão sendo invadidos por uma onda de imigrantes, inclusive apresentada em livros, como o do direitista Reihan Salam, da National Review, filho de imigrantes bengaleses; do centrista Francis Fukuyama, de Stanford, cuja mãe imigrou do Japão; e do esquerdista Jefferson Cowie, da Universidade Vanderbilt, que inclusive aconselha os colegas progressistas a não temer a chegada de mais estrangeiros.

Acontece que, de acordo com qualquer medida razoável, a ideia da imigração em massa é mito; pelo contrário, a verdade é que precisamos desesperadamente acertar o passo dela se quisermos manter nossa força de trabalho e a saúde econômica em dia.

Nos EUA, há cerca de 44 milhões de estrangeiros, que hoje constituem 13,7% da população

Você pode até alegar que o fenômeno – um termo vago sem definição estabelecida – está ocorrendo no Líbano e na Jordânia, destinos imediatos dos refugiados que tentam escapar da guerra civil na Síria. O primeiro país, inclusive, que tinha 4,4 milhões de habitantes em 2010, admitiu em questão de dois ou três anos cerca de um milhão de sírios, correspondendo a um aumento de 23% na população.

Nos EUA, ao contrário, há cerca de 44 milhões de estrangeiros, que hoje constituem 13,7% da população, segundo a Fundação de Pesquisas Pew, número próximo do recorde de 15% na virada do século 20. Por que esses valores são considerados históricos? Porque, naquela época, o país reagiu à pressão nativista e sindicalista, adotando controles alfandegários mais rígidos, basicamente acabando com o que, até então, era uma política de fronteira aberta.

Os exames de alfabetização foram instituídos em 1917, e a Lei Johnson-Reed, de 1924, impôs cotas de origem, limitando os vistos a 2% do número total de pessoas de cada nacionalidade nos EUA, de acordo com o censo de 1890. O objetivo da legislação era reduzir a imigração como um todo, principalmente de países da Europa Oriental e da Ásia – e foi um sucesso espetacular.

João Pereira Coutinho: A política da decência (publicado em 23 de junho de 2018)

Leia também: Trump ainda acha que sua política anti-imigração é vencedora (artigo de Matt A. Barreto, publicado em 23 de dezembro de 2018)

Por fim, o Congresso acabou eliminando essas cotas, já que passaram a ser encaradas como medida racista, em 1965, e a imigração voltou a crescer. Entretanto, seus oponentes estabeleceram em 15% o ponto limite para a aceitação de estrangeiros, como se o fator fosse baseado na ciência, e não em um evento histórico arbitrário.

Se de fato fosse assim, diversos países sofreriam forte retaliação quando a população imigrante se aproximasse desse nível, o que está longe de ser verdade.

A proporção de estrangeiros vivendo nos EUA como cidadãos norte-americanos coloca o país em 34.º lugar entre os 50 países mais ricos, com um PIB per capita de mais de US$ 20 mil. Segundo a ONU, a proporção ali foi de cinco imigrantes para cada mil habitantes entre 2015 e 2017. Agora compare esses números com os de outras duas democracias liberais de língua inglesa: o Canadá tem oito (e acabou de anunciar que vai receber mais de um milhão ao longo de três anos) e a Austrália, 14. Com isso, os estrangeiros representam 20% da população canadense e 28,2 da Austrália (mais que o dobro do volume dos EUA) – e, no entanto, em nenhum dos dois a questão inspira o tipo de execração pública que geralmente ocorre entre os norte-americanos.

Os EUA também receberam um número modesto de imigrantes nos últimos 50 anos. Em 1965, quando o Congresso aboliu as cotas por nacionalidade, os estrangeiros correspondiam a 5% da população; ao longo de duas décadas, de 1980 a 2000, a proporção subiu de 6,2% para 11,1%, ou seja, não insignificante, mas também não particularmente digno de nota.

Opinião da Gazeta: O Brasil fora do Pacto para a Migração (editorial de 13 de janeiro de 2019)

Leia também: O dilema dos imigrantes: a saúde ou o green card? (artigo de Douglas Jacobs, publicado em 14 de outubro de 2018)

Em seguida, porém, a proporção de crescimento desacelerou e quase parou, subindo dos 11,1% de 2000 para 12,9 % em 2010, e mal chegando a 13,5% em 2016. Em outras palavras: em seis anos, a população estrangeira norte-americana cresceu 0,6%. Mas o fato é que, quanto maior a desaceleração da (modesta) imigração no país, maior a aceleração da falácia da imigração em massa.

Um bom termômetro para saber se um país está admitindo imigrantes de mais ou de menos, além do clima político do momento, é a necessidade econômica. Se os EUA estivessem aceitando-os em excesso, a economia teria problemas em absorvê-los. De fato, o desemprego entre os estrangeiros, incluindo os 11 milhões em situação irregular, em 2016, quando se considerava a economia em ponto de equilíbrio, ficou quase 0,75% abaixo do nível dos nativos. Como isso pode ser prova de imigração em massa?

O fato é que os EUA são uma nação de poucos imigrantes. E as tendências demográficas apontam para um momento crítico na mão de obra, que se tornará um entrave imenso para o crescimento – a menos que o país abra suas portas um pouco mais.

Há tempos se sabe que a queda nos níveis de fertilidade dos norte-americanos brancos nativos fará com que as gerações pós-millennials tenham tudo para ser bem mais reduzidas. De 2015 a 2035, por exemplo, o número de habitantes pertencentes à força de trabalho com pais nativos deve cair em até 8 milhões. Para completar, o Censo, em 2017, revisou discretamente sua previsão populacional para 2050 em 50 milhões em relação à estimativa de 2008, como observa Jack Goldstone, demógrafo político da Universidade George Mason.

Leia também: Os norte-americanos são melhores que suas leis (artigo de Jose Antonio Vargas, publicado em 17 de setembro de 2018)

Leia também: Migração: o caminho e as pedras (editorial de 26 de novembro de 2017)

Por quê? Porque a imigração mexicana minguou após a Grande Depressão e, na mesma época, os níveis hispânicos de fertilidade caíram 25%. No ritmo em que o governo está admitindo imigrantes, isso significa que a força de trabalho só crescerá 0,3% ao ano.

“A menos que a taxa de natalidade de repente dê um pico e expanda a mão de obra – o que é uma suposição pouco realista, já que acabamos de registrar um recorde de baixa fertilidade – ou a produtividade da força de trabalho dobre, o que ainda é totalmente fora da realidade, os EUA terão de encarar, em menos de uma década, um crescimento real do PIB inferior a 1,6% ao ano. Isso se todo o resto continuar igual”, comenta Goldstone.

Os EUA deveriam admitir pelo menos mais de um milhão de imigrantes por ano, mais que o dobro dos números atuais, até 2050 – e, ainda assim, isso não chegaria nem perto da imigração em massa, porque a medida elevaria a população estrangeira para quase 26%, menos do que a australiana hoje.

Há 15 anos, quando eu escrevia sobre imigração para a página editorial conservadora do The Detroit News, o mito de que o país estava sendo invadido por estrangeiros se limitava apenas aos círculos ativistas nativistas – mas só porque se espalhou não significa que seja verdade. É uma lenda que deve desaparecer antes que acabe com o sonho americano.

Shikha Dalmia é analista sênior da Fundação Reason, redatora da revista “Reason” e colunista da “The Week”.
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