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Sherazade contando histórias, porém agradando.
Sherazade contando histórias, porém agradando.| Foto: Ferdinand Keller/Domínio público

Há vinte anos eu publicava meu primeiro artigo, na revista da Sociedade Brasileira de Psicologia. Nele, descrevia muito bem aquilo que aconteceria nos anos seguintes na disciplina aqui no Brasil. Os construtivistas sociais, relativistas que não oferecem qualquer conhecimento ou técnica de prática profissional para a sociedade, se voltariam para o controle político das universidades públicas como um câncer.

Foi o que aconteceu nos últimos vinte anos, na Psicologia e em todas as Ciências Humanas. Como os relativistas não oferecem conhecimento ou qualquer ofício, só podem sobreviver parasitando a universidade pública. Fora dela, só restam as ONGs internacionais que oferecem bolsa para promover o pós-modernismo, destruindo a capacidade científica do terceiro mundo.

Dado que defendem não haver critérios objetivos para estabelecer o conhecimento, ou sequer a superioridade de uma teoria sobre outra, também defendem que a prevalência de uma teoria na comunidade científica é somente uma questão política. Partir para o controle político das instituições públicas é só a consequência lógica desses dois fatores: seu discurso de que ciência é só política e sua inutilidade para a sociedade.

Se tudo é política, é através da política acadêmica que eles tomam de assalto as associações de pós-graduação e departamentos, passando a controlar os processos de concurso, seleção e bolsas, enquanto pesquisadores normais se dedicam a suas profissões ou à pesquisa. Sem isso, não têm como se reproduzir ou sequer garantir seu espaço.

Para eles não existe conhecimento e todo discurso tem o mesmo valor. Só não explicam por que, se todo discurso tem o mesmo valor, a sociedade deveria financiar o deles.

O resultado, cinquenta anos depois da infecção da academia brasileira pelo relativismo, é o domínio político das ciências humanas pelo que antes foi uma minoria irrelevante.

Nos últimos dez anos aprimoraram seu melhor instrumento para esse domínio, o discurso woke, de "combate às opressões e ao preconceito". Esse discurso funciona muito bem para intimidar professores covardes, que não acreditam no que fazem e só pensam na aposentadoria. Para que arrumar guerra e ser acusado publicamente de “racismo, machismo e homofobia” se em 10 anos estarão fora dali?

Com sua prática fascista de ameaçar com o opróbrio social os professores que ainda acham que o objetivo da universidade é a produção e difusão do conhecimento, tem acabado com a concessão de bolsas de estudos a alunas e alunos pobres e capazes, passando a concedê-las em proporções cada vez maiores àqueles alunos "oprimidos", que por coincidência são os que entram na universidade para fazer política com eles e para reproduzir essa fábrica irrelevante de papel sujo e lamento ressentido. Armados com esse discurso, alunos incapazes de executar uma mísera operação lógica ou formular adequadamente um argumento se tornam pessoas dotadas de uma "lógica diferente" perseguidas pela "elite branca e eurocêntrica".

Já os professores relativistas, que estão numa instituição que só é bancada pela sociedade para produzir e difundir o conhecimento, como não acreditam nisso, precisam justificar sua existência de outra forma. E eles fazem isso com ativismo e produzindo papel. Quanto menos têm a dizer, mais escrevem, se tornando produtores intermináveis de discurso vazio.

Como Sherazade, contam uma estória nova por dia para não serem decapitados pelo Sultão. Esse padrão é o que chamei de "Complexo de Sherazade", que caracteriza a vida acadêmica de relativistas.

Mas essas estórias são somente 1001 formas de dizer a mesma coisa: que para eles não existe conhecimento e todo discurso tem o mesmo valor. Eles só não explicam por que, se todo discurso tem o mesmo valor, a sociedade deveria financiar o deles. Como todo câncer, os relativistas vão matar o hospedeiro: a universidade pública.

Aqui, o Sultão de nossa história é o povo, que já descobriu o jogo de Sherazade. E ele está longe de estar apaixonado...

Gustavo Castañon é professor de Filosofia e Psicologia na Universidade Federal de Juiz de Fora. Costuma fazer reflexões diárias sobre política ou filosofia no Twitter e no Facebook.

Conteúdo editado por:Bruna Frascolla Bloise
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