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| Foto: Timothy A. Clary/AFP

Em uma derrota para as mães em todo o mundo, o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em Genebra, adotou uma resolução sobre mortalidade materna, no mês passado, em que apenas reforça as políticas fracassadas que estão em vigor e ignora todos os avanços médicos necessários e já existentes para evitar a maioria das causas de morte materna que conhecemos.

A resolução pede “educação sexual abrangente” e “saúde sexual e reprodutiva e direitos reprodutivos”, ignorando qualquer ideia de respeito à soberania dos países que pretendem restringir ou proibir o aborto. Além disso, a resolução aprovada em 27 de setembro ignorou iniciativas que efetivamente poderiam reduzir a mortalidade materna, como garantir acesso a obstetras e ao atendimento pós-parto, além de medicamentos e nutrição adequada.

Os países em desenvolvimento são devastados pela praga da mortalidade materna, mas até mesmo os Estados Unidos sofrem com uma taxa de mortalidade desproporcionalmente alta. Não deveria ser assim. Já temos à disposição tudo de que precisamos para que as mães possam viver com segurança a gravidez e o pós-parto. O que falta é um compromisso internacional com a implementação desses cuidados básicos, uma tarefa que as Nações Unidas executam de forma tragicamente equivocada.

Em vez disso, a sessão do Conselho, que durou três semanas, se dedicou à promoção escancarada do aborto, de uma educação sexual radical para crianças e outros temas polêmicos.

Não existe nada na lei internacional que deixe implícita a existência de um direito ao aborto

Em seu discurso na Assembleia Geral da ONU, o presidente Donald Trump garantiu que os Estados Unidos “não voltarão [ao Conselho] até que se faça uma reforma real”. A ausência dos Estados Unidos e de sua posição pró-vida certamente contribuíram para o resultado final, mas a falta de transparência e responsabilização que levou os EUA a deixarem o Conselho ficou bastante evidente nessa sessão. A resolução, patrocinada pela Nova Zelândia e por Burkina Faso, ignorou as posições da Rússia, do Egito e outros países que exigiam que o documento enfocasse apenas a questão da mortalidade materna. Essas e outras nações pediram que as referências ao aborto fossem reduzidas e insistiram no respeito à soberania nacional sobre o tema.

Antes dessa resolução, todas as referências ao aborto em outras resoluções da ONU vinham acompanhadas por uma menção às legislações nacionais, para preservar a soberania de cada país. Essa foi a primeira vez em que os “direitos reprodutivos”, amplamente entendidos como “aborto”, foram incluídos sem essa ressalva crucial.

Não existe nada na lei internacional que deixe implícita a existência de um direito ao aborto, e os países que discordam dessa abordagem prometem brigar pela sua soberania. Mas o sistema da ONU tem jogado duro com os Estados-membros para que liberalizem sua legislação sobre o aborto; por isso, manter as referências às legislações nacionais reforça sua capacidade de resistir à pressão.

O aborto sempre tem sido um assunto complicado na ONU. A maioria das nações ocidentais tem uma postura bastante permissiva sobre o tema, mas a maior parte dos países em desenvolvimento continua tendo muitas restrições ao acesso ao aborto, e alguns o proíbem totalmente. Os Estados Unidos são um caso interessante, graças à luta para recuperar as leis pró-vida nos níveis estadual e federal. E qualquer outro país que tenha restrições ao aborto tem um forte interesse em garantir que a ONU respeite a soberania nacional a esse respeito.

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O Ocidente atingiu seu objetivo final com essa resolução – uma referência ampla a “direitos reprodutivos” que coloca o aborto, independentemente das leis nacionais, como algo essencial para a redução da mortalidade materna. A agenda pró-aborto ainda recorre largamente a esse truque, ainda que a evidência empírica tenha mostrado repetidamente que isso não é verdade.

Desde o começo, havia uma oposição considerável a esse argumento, mas no fim nenhum país mostrou a intenção de contestar o texto por meio de votação. Será que isso indica o enfraquecimento da voz pró-vida nas Nações Unidas? Não. Isso é um indicativo mais forte sobre a crescente falta de legitimidade dos processos da ONU do que sobre onde o mundo está no que se refere ao aborto.

O consenso genuíno, aquele princípio fundamental sobre o qual se baseiam as negociações multilaterais na ONU, está morto e enterrado no Conselho de Direitos Humanos. Pela ideia do consenso, qualquer objeção, vinda de qualquer país, ainda que pequeno, deve ser levada em consideração pelos outros países, e o trecho contestado ficaria de fora do texto final da resolução, fruto da negociação. O objetivo é impedir a tirania da maioria e permitir que qualquer país possa influenciar o discurso. Mas o respeito pelo consenso ficou pelo caminho, com os países “progressistas” dominando a conversa e eliminando a oposição.

Rússia, Egito e outros países com postura semelhante até questionaram a referência à “educação sexual abrangente” na resolução, denunciaram a ênfase desproporcional em temas de sexualidade ao longo do texto, e afirmaram que, para prevenir a mortalidade materna, a prioridade deveria ser a garantia do acesso aos serviços obstétricos e pós-parto, aos medicamentos necessários e à alimentação adequada. Mas sua resolução perdeu por 33 votos a 14. Isso mostra os problemas intrínsecos ao modo como se lida com esses temas no Conselho. Por causa de sua composição limitada, os resultados das votações não refletem a visão de todos os 193 membros da ONU. Além disso, esse aumento nas votações sobre temas controversos está desestimulando a participação ativa dos países nas negociações, o que gera um clima opressor de silêncio diante das crescentes afrontas à soberania nacional, a valores religiosos e étnicos, e a heranças culturais.

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Ao contrário do que ocorreu no caso da “educação sexual abrangente”, nenhum país teve autorização para pedir uma votação sobre o trecho do aborto, resultando em sua inclusão no documento final, sem contestações. Esse foi o resultado oficial da sessão, mas, nos bastidores, ficou claro que muitos países – incluindo algumas potências – insistiram na ressalva do respeito às leis nacionais, e deixaram claro, após a aprovação da resolução, que, em sua interpretação, o texto não cria nenhuma obrigação em termos de direitos humanos além daqueles que já estão codificados no Direito Internacional.

A falta de respeito pela soberania nacional reflete o triste estado desse Conselho. Os países que desejam proteger a vida se verão em posição cada vez mais frágil se os “direitos reprodutivos” forem incentivados sem a proteção das prerrogativas de cada nação. Ainda que estejam longe do ideal para os pró-vida, essas referências à soberania são essenciais para proteger a vida intrauterina nos países que proíbem ou restringem o acesso ao aborto.

O fato de a soberania ter sido pisoteada nessa resolução é uma grande ameaça à ordem internacional. Ela mostra que as potências ocidentais estão dispostas a se envolver na promoção escancarada do aborto, mesmo quando as vidas das mulheres estão em jogo.

Elyssa Koren é diretora da ADF International para advocacy junto às Nações Unidas. Tradução: Marcio Antonio Campos.
© 2018 The Daily Signal. Publicado com permissão. Original em inglês.
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