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Para a Unesco, ensino domiciliar é direito humano

Assim como não há no ordenamento jurídico brasileiro o crime de notícia falsa, também não há o crime de ensino domiciliar. (Foto: Annie Spratt/Unsplash )

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A Unesco (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura) finalmente divulgou o relatório sobre ensino domiciliar, no qual afirma que, embora não conste no rol da Declaração Universal dos Direitos Humanos, é considerado uma forma de educação, cujo direito deva ser observado. Até então, a ONU (Organização das Nações Unidas) só havia se manifestado favoravelmente à prática de forma pontual.

“A regulamentação da educação domiciliar é fator de extremo risco (...)um ataque ao direito à educação como uma das garantias fundamentais da pessoa humana (sic)”, dizia o Manifesto Contra a Regulamentação da Educação Domiciliar, divulgado em maio de 2022.

Ironicamente, o documento, subscrito por entidades, institutos, sindicatos, escolas, universidades, associações e até prefeituras, é iniciado desta forma: “As Coalizões, Redes, Entidades Sindicais, Instituições Acadêmicas, Fóruns, Movimentos Sociais, Organizações da Sociedade Civil e Associações signatárias (...)”. Eu não sabia que os fóruns e os movimentos sociais tinham trocado de gênero gramatical.

Na sequência, todos os signatários demonstram “grande preocupação com a tramitação do PL 3.262/2019, que visa descriminalizar a ausência de matrícula escolar”, contudo, a “ausência” de matrícula escolar não é crime, mas infração administrativa. Ademais, o projeto de lei mencionado visa a incluir um parágrafo único no art. 246 do Código Penal para esclarecer que o crime tipificado não compreende o homeschooling. Talvez tal incoerência tenha passado despercebido na leitura do texto pela signatária AMID, Associação Nacional de Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência e Idosos.

Se a maior autoridade internacional no ramo educacional se pronunciou favoravelmente ao homeschooling, é questão de tempo até que sindicatos de professores, organizações e entidades manifestem apoio ao PL 1338/22

Por conseguinte, a afirmação de que o crime de abandono intelectual (art. 246, CP) é aplicado aos pais que não mandam os filhos à escola, também deve ter sido ignorada pelo signatário Ministério Público do Paraná. O caput é claro ao estabelecer pena de detenção àquele que deixa, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar. Acredito que, da mesma forma com que alguns especialistas e professores afirmam que o ensino domiciliar é proibido no Brasil por não constar letra por letra na Constituição Federal, estes, que subscrevem o manifesto, consideram a menção à “idade escolar” um sinônimo de matrícula escolar.

De forma sorrateira, os signatários mencionam que a regulamentação “não se mostraria solução viável para superar os problemas enfrentados pela educação”, como se o homeschooling  não se apresentasse como uma prática educacional, mas como política pública. Na mesma oportunidade, citam medidas adotadas por países desenvolvidos, ignorando o fato de que neles o ensino domiciliar é permitido.

Nesse diapasão, a Todos Pela Educação, uma organização independente que atua com políticas públicas que envolvam a educação básica no Brasil, também se posiciona de forma contrária ao homeschooling. No site deles, é possível encontrar publicações com os títulos Lugar de educação formal é na escola, de 2018, e Homeschooling: medida equivocada e absolutamente fora de tempo, de 2022, na qual há clara menção ao posicionamento de que “é importante reforçar que o Todos Pela Educação é contra qualquer incentivo à Educação Domiciliar”.

Por fim, temos a manifestação de Cláudia Türner, promotora de Justiça do Ministério Público do estado do Rio de Janeiro, em entrevista concedida à UOL, em 2019, que afirma que o projeto de regulamentação é a antítese de uma sociedade plural e viola direitos da criança, direitos fundamentais.

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Bom, finalmente chegamos a 2025, 31 anos depois da apresentação do primeiro projeto de lei que visa a regulamentar o ensino domiciliar. De lá para cá, grupos de homeschoolers  foram recebidos por três presidentes da República no Palácio do Planalto (Fernando Henrique Cardoso, Luís Inácio Lula da Silva e Jair Messias Bolsonaro); foram fundadas associações de famílias educadoras; inúmeros homeschoolers  iniciaram e concluíram o ensino superior; o STF o declarou constitucional; pais e mães foram perseguidos, multados em até R$ 500 mil reais e ameaçados de perderem a guarda dos filhos; a ONU o definiu como uma prática coberta pelo direito à liberdade educacional; e agora, a Unesco afirma que, embora não conste, letra por letra, no rol da Declaração Universal dos Direitos Humanos, deve ser interpretado como uma forma de educação, e, como tal, entendido como um direito.

Se a maior autoridade internacional no ramo educacional se pronunciou favoravelmente ao homeschooling – autoridade ratificada, inclusive, por muitas escolas brasileiras que ostentam o selo Unesco –, é questão de tempo até que sindicatos de professores, organizações e entidades manifestem apoio ao PL 1338/22 que regulamenta a prática. É uma questão de direito humano. É uma questão de educação. Ou será que não?

Isadora Palanca é escritora e autora dos livros “Ensino domiciliar na política e no direito”, “Regulamentações do ensino domiciliar no mundo” e “AFESC: em defesa do ensino domiciliar”.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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