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No dia 22 de julho de 2005, quando se en­­contrava em uma estação do metrô, em Londres, o eletricista brasileiro Jean Charles de Menezes, 27 anos, foi morto a tiros desferidos por agentes da Scotland Yard, a polícia de elite britânica. Segundo as autoridades inglesas, o imigrante brasileiro fora confundido com um suposto terrorista árabe que teria participado dos atentados da véspera, contra ônibus e estações do metrô da capital inglesa.

Como troféu exposto na lápide da gare londrina, o corpo tinha de um lado a força policial da rainha, orgulhosa pela eliminação do perigoso inimigo do Reino. De outro, uma modesta família do interior das Minas Gerais, cujo filho se aventurara mundo afora, na esperança de um dia poder realizar o sonho de melhores dias daqueles que lá ficaram.

Atingindo-o, covarde e precipitadamente, pelas costas, membros da Scotland Yard desprezavam preceitos fundamentais da Declaração Universal dos Direitos do Homem, da qual o Reino Unidos é um dos assinantes.

"Todo o homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal", é um preceito fundamental a ser defendido por todos, em todos os lugares, quer entre os povos livres, quer na tirania das ditaduras radicais, quer no fanatismo dos mandos celerados.

A dor dos pais, vendo arrancado do seu seio um pedaço do seu próprio ser, é incomensurável. Não se mede por valores materiais ou quantitativos. É irreparável.

Porém, diante de tão cruel arrebatamento, resta o direito de uma indenização pelo dano moral sofrido, em forma de compensação pecuniária a ser paga pelo causador do dano aos familiares da vítima. Não como vantagem ou enriquecimento, mas como consolo e reposição de vida para os que ficaram. Esse preço seria o preço que lhes pudesse oferecer um conforto, uma condição a lhes permitir conhecer novas terras, nova gente, novas culturas. Fazer uma caridade. Uma compensação séria, muito justa moralmente, para que lhes convencesse de que a parte causadora do mal pagou pela dor que lhes faz sentir.

Nesta busca, nos seus sofridos 70 anos de idade, longe da corte e enjoado do vai e vem do processo que se arrastava pelos tribunais da Coroa, já resignava-se, descrente, o pobre pai: "Não queríamos era perder o nosso filho. Mas já que perdemos, en­­tão, agora, esquentar a cabeça é bobagem".

Parece até que vaticinava o pífio resultado que se desenhava, advindo dos lordes julgadores.

Discutido o caso na Justiça, familiares do brasileiro e polícia chegaram um acordo pelo qual a Scotland Yard pagará uma indenização de 100 mil libras esterlinas; ou seja, R$ 286 mil, segundo o jornal britânico Daily Mail. Este o valor dado pela Justiça Inglesa à vida humana de um trabalhador brasileiro, assassinado por um erro da sua famosa polícia.

Quem sabe, imaginam eles que permanecemos ainda com o complexo de vira-latas, como dizia o dramaturgo Nelson Rodrigues, pela inferioridade que o brasileiro se colocava, e as vezes ainda se co­­loca, em face do resto do mundo.

Por uma lambança idêntica ocorrida em Curitiba, em maio de 1997, quando a polícia paranaense atirou e matou um jovem de 20 anos, confundindo-o com um traficante de drogas, o estado do Paraná foi condenado, pela própria Justiça, a compensar a dor sofrida pela família, pagando-lhe uma indenização de R$ 1 milhão.

Se a nossa polícia erra, erra também a Scotland Yard. A nossa Justiça, porém, não desvaloriza tanto a vida humana do brasileiro, quanto desvalorizaram os louros e sardentos súditos togados da rainha.

Desrespeitaram até mesmo o ensinamento de Winston Churchill, o seu estadista maior: "Quando se tem de matar um homem, não custa nada ser educado".

Vivo estivesse, concluiria o brilhante dramaturgo: "O brasileiro ganiu de humildade. Jamais foi tão evidente e, eu diria mesmo, espetacular o nosso vira-latismo". Uma verdadeira indenização para inglês ver.

Júlio Militão é advogado e membro da Academia de Cultura de Curitiba

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