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Nossos olhos nos mostram que, enquanto energias enormes são despendidas para defender esse ou aquele tipo de pe­­­­da­­­­­go­­­­gia, os educadores e os soi-disant especialistas deixam de la­­­­­­­­­­­­­­do as rea­­lidades concretas da escola brasileira propriamente dita

Diz um humorista que, da discussão nasce a luz e, também, o palavrão, o xingamento e o bofetão. Não se chegou a tanto na polêmica sobre o livro de português distribuído pelo MEC, mas até o mestre Carlos Alberto Faraco, que sempre aliou o rigor intelectual a uma civilidade impecável, saiu de seus cuidados para acusar os que não concordam com o livro de fazer parte de "certa intelectualidade", incapaz de entender a complexidade do assunto, "que lhes tira o ar e o chão", e que se apegam "dogmática e raivosamente à simplicidade dos juízos absolutos do certo e do errado". E emite um julgamento definitivo, considerando-os "despreparados para o debate franco, aberto e desapaixonado que estas questões exigem".

Com o devido respeito, caríssimo Faraco, não acredito que você esteja sendo aberto e desapaixonado quando atribui aos oponentes de seu ponto de vista uma "espantosa ignorância", o favorecimento do apartheid social e linguístico e os acusa de agir irresponsavelmente quando se colocam contra o encaminhamento pedagógico do livro. Por ser uma rotulação generalizante, essa caracterização dos críticos é simplista, na medida em que distribui igualmente a "ignorância espantosa", um "despreparo para o debate" e o desejo de manter e agravar o apartheid social e linguístico. Quanto a esse último ponto, parece-me, mesmo, haver um equívoco: os que defendem ou promovem o apartheid (palavra do africâner que significa "separação") não deveriam ver com bons olhos uma política de reforço de uma linguagem unificadora, de um código único de comunicação verbal e escrita, no caso, a norma culta, como querem os opositores do livro. Muito ao contrário: gostariam de ver a população dividida pela língua, uma parte falando a linguagem que é típica da "elite" e a outra, a popular, incapaz de dominar o código que lhes facilitaria o acesso a essa sociedade dos letrados.

Acredito que a questão central não é essa, pois em seu artigo você declara que a utilização das "variedades de linguagem" deve ser entendida como uma ferramenta pedagógica para que os alunos compreendam que essas variedades podem provocar efeitos sociais corrosivos, o que os levaria a valorizar o domínio da norma culta para evitar que sejam vítimas de "preconceitos linguísticos". Não vou me arriscar a discutir se esse encaminhamento pedagógico é correto ou não. Muitos pedagogos acham que não, mas não estou habilitado a ter uma opinião própria e sólida sobre isso.

No entanto, acredito-me habilitado a dar um testemunho de 40 anos convivendo, de uma maneira ou outra, com a educação em nosso país e nosso estado. E recorro ao sempre lembrado Groucho Marx para perguntar: "Que vocês preferem? Acreditar em mim ou nos seus próprios olhos?". Nossos olhos nos mostram que, enquanto energias enormes são despendidas para defender esse ou aquele tipo de pedagogia, liberal, renovadora progressista, não diretiva, tecnicista... ou as pedagogias "progressistas", rotuladas simpaticamente de libertadora, libertária e histórico-crítica, os educadores e os soi-disant especialistas deixam de lado as realidades concretas da escola brasileira propriamente dita e fecham os olhos para as perversas contradições, omissões e equívocos do sistema educacional público.

A desculpa-justificativa para enfatizar os aspectos sócio-político-históricos da educação e relegar a um segundo plano as questões didáticas, humanas, tecnológicas e materiais das escolas é, sempre, a tentativa de corrigir as iniquidades do regime capitalista de produção, aparelhando os indivíduos para lutar contra elas. Mas, para escapar dessas realidades e circunstâncias, não basta o discurso vazio de uma educação politizada, que afirma estar formando a consciência crítica dos indivíduos, quando, ao mesmo tempo, está sistematicamente negligenciando o domínio das ferramentas mínimas da proficiência escolar para ler, escrever, analisar, interpretar, contar e comparar.

E é exatamente isso que ocorre em nosso país. Não precisam acreditar em mim, acreditem nas estatísticas e nos estudos do Inep, na Prova Brasil, no Saeb, no Enem e nos próprios olhos. Do jeito como as coisas estão, temos apenas uma linha pedagógica unificadora de todas as outras: a pedagogia da ignorância.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Doutorado em Administração da PUCPR

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