Vista de Paraisópolis, comunidade de São Paulo onde ocorreu o tumulto e mortes em baile funk.| Foto: Nelson Almeida/AFP

O que aconteceu em Paraisópolis? Até agora, creio, o que se viu foram muitas aspas e pouca reportagem.

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Matéria do jornal O Estado de S.Paulo registra a indignação de uma das vítimas. “Os 50 pontos que G., de 17 anos, precisou receber estão espalhados por testa, supercílios e queixo de um rosto inchado e arroxeado. Os ferimentos, afirma ela, são de uma garrafada que tomou no Baile da DZ7, em Paraisópolis – e o objeto foi atirado por um policial militar que atuava na dispersão da festa na madrugada do domingo, 1 de dezembro, quando nove pessoas morreram pisoteadas.”

G. diz ter perdido a conta de quantas vezes saiu de Pirituba, na zona norte da capital paulista, para ir à festa na zona sul. O evento já estava lotado perto das 4 horas do domingo, quando G. se recorda de ouvir os primeiros barulhos de bombas e disparos. Instalou-se a confusão.

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Por outro lado, matéria do jornal Folha de S.Paulo abriu espaço para outra versão. A defesa de parte dos policiais investigados isenta os PMs de responsabilidades na tragédia, de forma “direta ou indireta”, e diz que o quadro só não foi pior graças, justamente, ao trabalhos desses agentes.

Recentemente, o governador João Doria fez um recuo na sua avaliação sobre a atuação da Polícia Militar em Paraisópolis. Houve excessos. Parece claro. O reconhecimento dos erros não desprestigia nem desautoriza a corporação. Ao contrário, sinaliza um compromisso com o aprimoramento da Polícia Militar.

A imprensa, no entanto, ficou na superfície de um problema grave. Não fez as perguntas que se impunham.

Recebi de um bom amigo, leitor qualificado e crítico, uma mensagem sugestiva.  “A imprensa poderia fazer este trabalho investigativo: onde está o prefeito (até agora não foi questionado sobre o uso do espaço público)? O que estava acontecendo naquela festa (drogas, bebidas, etc)? Onde estavam os responsáveis pelos menores ali presentes?” Tem toda razão. Reconheço. Impõe-se uma autocrítica.

O sabadão, sem controle e sem lei, é o mercado preferencial para o tráfico de drogas. Fica a impressão de que os policiais invadiram uma festa carregada de normalidade. Os pancadões são locais estratégicos para o tráfico e aliciamento de mão de obra. É uma desgraça. Uma chaga social que precisa ser enfrentada. É preciso fazer perguntas essencialmente jornalísticas: Quem domina o pedaço? Quem está por trás do evento? E a autoridade municipal, responsável pelo espaço público? Está na moita? Não há nenhum projeto para permitir que a juventude se divirta de modo seguro e sadio? Isso é, de fato, reportagem, jornalismo investigativo. Se a imprensa não for um pouco mais a fundo, vai ser liberou geral.

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Escasseia reportagem. Falta profundidade. Jornalismo não é divulgação de versões. É a busca da verdade possível. E isso exige ouvir e investigar. Sem preconceito e sem viés. “O importante”, diz o mítico jornalista norte-americano Carl Bernstein, “é saber escutar. As respostas são sempre mais importantes que as perguntas que você faz. A grande surpresa no jornalismo é descobrir que quase nunca uma história corresponde àquilo que imaginávamos.”

O verdadeiro jornalismo não busca apenas argumentos que reforcem um dos lados, mas também, com a mesma vontade, os argumentos opostos. Estamos carentes de informação e faltos da boa dialética. Sente-se o leitor conduzidos pela força das nossas idiossincrasias. A reportagem de qualidade é sempre substantiva. O adjetivo é o adorno da desinformação, o farrapo que tenta cobrir a nudez da falta de apuração. É, frequentemente, uma fraude.

É importante que os repórteres e os responsáveis pelas redações tomem consciência desta verdade redonda: a imparcialidade (que não é neutralidade) é o melhor investimento. Algo que se constrói não com declarações entre aspas, mas com olhar desengajado de quem foi ver a realidade.

O que aconteceu em Paraisópolis? Será que o leitor, cada vez mais crítico e com acesso à fontes alternativas, ficou satisfeito com as nossas reportagens? Apresentamos fatos ou versões?

Nosso ofício, humilde e insuperável, é o de iluminar a história. Gostemos ou não dela.

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Carlos Alberto Di Franco é jornalista.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]