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Analisar a importância dos partidos políticos na democracia representativa e, mais precisamente, na realidade política brasileira, requer, de saída, assumir uma posição no amplo espectro de definições deste regime político. Dar à democracia um sentido mais restrito implica conferir aos partidos um papel quase formal, ao contrário, adotar critérios maximalistas para atestar que o poder emana do povo, eleva o partido a uma condição de centralidade no jogo político. Paralelamente à adoção de uma perspectiva, a reflexão sobre o peso dos partidos na política requer a sua contextualização diante das mudanças sofridas na disputa pelo poder na contemporaneidade.

A democracia não deve ser entendida, simplesmente, como um conjunto de regras e procedimentos que garantem a escolha dos governantes pela consulta periódica aos governados. O partido, por sua vez, não é apenas a instituição que formaliza as candidaturas e opera como vitrine para a exposição das diferentes personalidades políticas. Lamentavelmente, a elitização do campo político e a transformação das eleições num espetáculo publicitário restringem a prática da democracia e promovem uma personificação das candidaturas. É nítido o declínio do partido entendido como instituição portadora de uma ideologia e de um programa. O efeito desta tendência é a valorização da imagem dos políticos produzida pela mobilização das novas tecnologias da informação. Ao cidadão, cada vez mais distante do cotidiano da política, é solicitado, a cada eleição, um voto de confiança no seu representante, a aprovação da sua ‘boa imagem’. Significa uma relação direta e pontual entre o eleito e o eleitor, quase sem a mediação das instituições políticas. Neste quadro os partidos restringem o seu desempenho à esfera contábil, seja agregando um grande número de políticos, não é surpresa o troca-troca de agremiações pelos eleitos, seja auferindo verbas, cargos e favores, como contrapartida de alguns votos oferecidos ao governante de plantão.

O partido, assim como outras instituições, é o reflexo da sociedade onde está inserido. Numa situação de extrema desigualdade social, onde poucos têm acesso aos canais de participação e aos recursos que dão acesso ao mundo das decisões políticas, os partidos tendem a se tornar meros suportes burocráticos de personagens com grande autonomia de ação. Mas a história recente mostra, inclusive para o caso brasileiro, que o partido pode ter um papel fundamental na ampliação da democracia. Se democracia é o regime onde a vontade coletiva é construída cotidianamente pela manifestação dos múltiplos interesses no espaço público, o partido deve ser uma instituição central no exercício da mediação entre o Estado e a sociedade civil. Ao partido cabe, ao mesmo tempo, a tarefa de organizar e informar um determinado grupo político, conforme seus interesses e coloração política, e, paralelamente, fazer com que as demandas desse grupo cheguem à agenda de debates públicos. Aliás, é essa dinâmica da institucionalização das demandas que deve legitimar o exercício do poder político e dar credibilidade ao contrato social, evitando a violência gerada pelo inconformismo e pela exclusão. O partido é instituição central da construção do público, não é concebível uma democracia no seu sentido mais amplo sem partidos fortes.

O reconhecimento jurídico do partido como verdadeiro proprietário do mandato parlamentar, é preciso reconhecer, não irá, por si só, transformar a realidade dessa instituição. No atual contexto é difícil saber se os partidos devem ser protegidos dos maus políticos ou, ao contrário, se os bons políticos devem ser preservados da ação dos maus partidos. Não é fácil mudar costumes arraigados contando apenas com a lei. Decisões recentes, como a do Supremo Tribunal Federal, têm a virtude de valorizar o debate democrático. Entretanto, a mudança no comportamento dos partidos, no sentido de ampliar a participação democrática, depende da mobilização da sociedade civil, através de suas instituições representativas, com o objetivo de cobrar das agremiações políticas clareza na definição da sua posição ideológica, coerência entre programa e ação política e submissão de interesses privados à construção da vontade coletiva.

Nelson Rosário de Souza é doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP) e professor de Ciência Política da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

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