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O que o passado do design pode nos ensinar hoje
| Foto: Unsplash

As profissões relacionadas ao design foram até poucos anos atrás consideradas como uma atuação complementar a outras atividades primárias. O desenvolvimento de produtos era visto em primeiro lugar como uma atividade para a indústria ou a engenharia e o trabalho do designer era colocado como uma etapa final do processo para modelar o produto e deixá-lo mais atraente ou vendável. O mesmo para as áreas da comunicação onde primeiro se busca a funcionalidade ou o conteúdo a ser comunicado para somente posteriormente o design tomar a frente de suas competências. A atividade do designer era vista como uma etapa final de um projeto já pré-estabelecido. Essa separação é herdeira do processo histórico no qual a atividade do designer está inserida. É precisamente nesse ponto de tensão que habita a grande lição do design para nós hoje.

A partir da segunda metade do século XIX, com a consolidação da Revolução Industrial, ocorreu uma grande ruptura no labor humano. O surgimento dos processos industriais gerou o rompimento definitivo com a manufatura. Objetos, produtos e utensílios que antes eram produzidos de maneira quase que totalmente manual começam a ser desenvolvidos a partir de máquinas. A atividade laboral que era antes concebida e realizada por mãos humanas, agora rompe-se e as máquinas assumem o encargo de criar todos os objetos que nos circundam. Cadeiras, vasos, mesas, talheres, armários, em suma, todos objetos que nos circundam passam a ser desenvolvidos procurando emular a antiga manufatura, porém desprovidos do esforço unitivo e totalizante que somente a atividade humana é capaz de realizar.

O design é justamente o arcabouço de sentido de todo o processo de criação das obras e dos objetos.

Nessa mesma época surgiram na Europa as grandes feiras industriais. A primeira Grande Exibição realizada na Inglaterra em 1851 deu o tom do que seriam essas feiras nas décadas que se seguiram. É difícil hoje imaginar a dimensão dessas exibições. Para algumas delas foi necessário construir edifícios ou bairros inteiros para dar o suporte necessário na exibição das grandes novidades industriais do século. Essas exibições foram o grande marco no avanço tecnológico do século XIX e é a partir delas que surge a atividade do designer.

Ao se depararem com o resultado dos processos industriais da época, alguns grupos de estudantes e artistas perceberam que o rompimento com a manufatura estava acarretando em um grave resultado. Os objetos estavam perdendo suas características humanas e estavam se tornando meras caricaturas das obras concebidas anteriormente.

Como bem resumiu Thomas Berg, em Design Classics (2011), "esta exposição monumental pretendia ser uma exibição do progresso humano exemplificado pela era da máquina. A qualidade do artesanato exposto, no entanto, deixou muito a desejar. Para o observador crítico, a profusão de historicismo eclético e de habilidade medíocre devem certamente ter fornecido uma prova inequívoca de que a era da máquina havia entorpecido todas as sensibilidades estéticas. A produção em massa que se tornou possível como resultado da industrialização e da consequente divisão do trabalho confundiu tradições centenárias de artesanato e qualidade, resultando numa perda de orientação artística e estética".

O que artistas e intelectuais como John Ruskin, William Morris, Christopher Dresser e Peter Behrens perceberam a gravidade dessa ruptura tão bem representada posteriormente no grande clássico do cinema Metropolis (1927) onde esse conflito é figurado entre "cabeça" e "coração" apresentado. O filme apresenta justamente uma sociedade em conflito onde as atividades da engenharia e do planejamento formaram uma tecnocracia e o homem perdeu seu senso de humanidade – esse senso é resgatado no final do filme em um encontro de toda população às portas de uma catedral gótica. A catedral é, por sua vez, o grande símbolo da unidade entre mente e coração. Não à toa o movimento do Arts & Crafts, que surge na Inglaterra como um primeiro levante para restaurar a unidade na produção industrial, tinha forte influência da arte e da arquitetura gótica.

A partir do movimento Arts & Crafts surge a profissão do designer. O designer é aquele responsável por justamente designar o processo industrial de construção dos objetos para garantir a unidade final da obra. É uma atividade nova para a humanidade. Antes a concepção do objeto e sua realização eram realizadas pelo mesmo grupo de pessoas, ou até mesmo pela mesmíssima pessoa. Agora, o responsável por conceber os objetos não é o mesmo responsável por criá-los. É por isso que entendemos que design é fundamentalmente projeto.

É durante esse período que surge o conceito de Arte Total (Gesamtkunstwerk). Esse conceito explicava os esforços de alguns artistas e designers que procuravam criar conjuntos de obras que tivessem total unidade entre si. É o caso, por exemplo, da Oficina de Viena (Wiener Werkstätte), capitaneado pelo designer Koloman Moser e pelo arquiteto Josef Hoffmann. A Wiener Werkstätte é considerada como um dos primeiros estúdios de design do mundo. Nela, os projetos eram tratados com o máximo grau de unidade possível. Projetos de construções inteiros eram desenvolvidos concebendo desde os talheres e até mesmo as roupas que seriam usadas no local pelos habitantes ou trabalhadores do edifício.

Esse empreendimento totalizante nos revela a maior vocação do design: a busca pela síntese estética de todos os elementos. Essa lição é de grande valor para todos os empreendimentos atualmente. A aplicação do design na totalidade dos projetos gera o que chamamos de experiência. Há embutido na alma humana uma busca por sentido. Quando o homem encontra algo com sentido, ele automaticamente dirige toda sua atenção. Nós desejamos ter a experiência de coisas que fazem sentido e nos revelam sentido. Essa experiência do sentido se dá através da unidade. Ou seja, é através de uma experiência que demonstra coesão da parte com o todo. Usando o exemplo da Wiener Werkstätte, a experiência do sentido é aquela onde os talheres e as paredes falam a mesma língua.

Não seria a profissão tão atual do UX Designer como a consolidação dessa vocação unitiva do design. O User Experience Designer é aquele responsável por garantir a unidade de sentido dos usuários de determinado produto, aplicativo ou experiência. O design, portanto, não deve ser tratado como uma etapa final de um processo pré-concebido. O design é justamente o arcabouço de sentido de todo o processo de criação das obras e dos objetos.

Matheus Bazzo é fundador da Lumine e da Minha Biblioteca Católica.

Conteúdo editado por:Jocelaine Santos
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