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A decisão do Senado Federal em fatiar o julgamento do impeachment da então presidente da República afastada foi uma escancarada pedalada regimental. Explico. A Constituição Federal é clara: a perda do mandato pelo presidente da República acarreta necessariamente a suspensão dos seus direitos políticos por oito anos. Pois bem, sob o argumento que o regimento interno do Senado Federal assegura aos parlamentares a possibilidade de fatiamento – já que a decisão do impeachment estaria incluída dentro das resoluções daquela Casa, portanto suscetíveis a destaques para votação em separado (DSV) –, transformou-se o quesito que, pela regra constitucional, é monolítico em dois: um, a perda do mandato; outro, a suspensão dos direitos políticos. O resultado foi o de que a presidente da República foi destituída por três quartos dos votos dos senadores, mas, para a suspensão dos seus direitos políticos, não foi alcançada a maioria determinada pela Constituição Federal, de no mínimo dois terços dos votos de um total de 81 parlamentares.

Pela Constituição, não havia alternativa de examinar a perda separada da suspensão

É sabido que o Senado Federal assume a condição de julgador dos crimes de responsabilidade e que a sua decisão é sentença. O fato de ela ser instrumentada por resolução da Casa diz com a publicidade da deliberação, não afastando, na parte substantiva, o real conteúdo jurídico do que ali se decidiu. De tal sorte que não cabe destaque, previsto no regimento interno, para deliberar criando dois momentos distintos, porque a Constituição Federal diz qual deva ser o teor da sentença, se em desfavor do presidente da República: perda do mandato com suspensão dos direitos políticos. Não havia alternativa de examinar a perda separada da suspensão.

Essa distinção resultou em decisões contraditórias: a presidente perdeu seu mandato, mas restou incólume nos seus direitos políticos. Os fatos denunciados serviram para a perda do mandato, mas não foram aptos para a suspensão dos seus direitos políticos.

É difícil aceitar que o acontecido não tenha sido de caso pensado para gerar, politicamente, outros efeitos como cumprir compromissos cuja visibilidade ainda não se consegue enxergar. Entretanto, por certo, na deliberação sobre a cassação do deputado Eduardo Cunha, não é fora de propósito se pensar na hipótese similar de se instaurar o incidente de destaque para votação em separado (DSV), por exemplo, para reconhecer a existência ou não das contas suíças e para avaliar se o deputado quebrou ou não o decoro, para justificar uma pena menos grave ou até a sua absolvição.

Também abriu-se caminho para que a própria presidente da República recorra ao Supremo Tribunal Federal alegando que, se não foi apenada com a perda dos direitos políticos, pelos mesmos motivos não pode perder o seu mandato, face a impossibilidade de uma subsistir sem a outra.

Derocy Giacomo Cirillo da Silva é procurador da República aposentado.
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