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O futebol não é sempre uma caixinha de surpresas. Se a magia desse esporte é contar com o inesperado, há algumas coisas que infelizmente não podem ser consideradas surpreendentes. Esse é o caso das confusões entre as torcidas. E não se trata de uma peculiaridade brasileira, pois existem brigas em quase todos os lugares. Os confrontos são mais previsíveis quando dois times rivais se enfrentam ou quando está envolvido o rebaixamento de um clube ou a eliminação de uma competição. Nestes casos, é absolutamente indispensável a presença da força pública. E, em nosso país, quem é responsável pela segurança pública é a Polícia Militar – ainda que por vezes a solução seja também, paradoxalmente, um problema.

A PM tem se mostrado indispensável para a realização de partidas de futebol. Pode ser uma marca de incivilidade, mas sem a PM o confronto entre são-paulinos e corintianos em outubro poderia ter terminado em uma grande tragédia. Sem os policiais militares, os corintianos teriam invadido o Pacaembu quando da eliminação de sua equipe pelo River Plate na Libertadores de 2006. Isso não significa afirmar que a PM seja impecável em seu trabalho. Por vezes, os policiais agem com truculência e não parecem preparados para lidar com os torcedores. Mas, sem dúvida, são mais aptos para isso do que seguranças particulares.

No triste episódio que encerrou o Campeonato Brasileiro, a ausência de policiamento foi um fator decisivo para a dimensão do conflito. As torcidas, rivais desde sempre, estavam separadas por poucos homens e algumas cordas. Ainda que a distância entre elas fosse razoável, não havia contingente capaz de impedir a aproximação.

Não havia policiais militares em campo porque, segundo o comandante, o Ministério Público havia entendido que não deve haver segurança pública em partidas de futebol porque são eventos privados. Em resumo, o MP deu a ordem e a administração pública obedeceu. O que não faz sentido do ponto de vista jurídico (pois não existe tal hierarquia entre polícia e MP), mas faz todo o sentido do ponto de vista pragmático. Cada vez mais quem tem assumido as tarefas de decisão administrativa é o MP, com a vantagem de que, quando erra, jamais é responsabilizado – no máximo, diz que foi "mal interpretado".

Com medo das ações do MP, principalmente a plenipotenciária e ubíqua ação de improbidade, o administrador fica refém da leitura que o MP tem da Constituição. Ameaçados pelas penalidades típicas da ação de improbidade, os agentes públicos acabam pecando por não agir. E não é de se estranhar se forem processados pelo próprio Ministério Público em decorrência desta "omissão".

Não se nega que o assunto é polêmico, mas já existe precedente no Supremo Tribunal Federal aceitando a presença da PM em eventos particulares. Ademais, o próprio conceito do que é evento público e do que é evento privado está sendo reconstruído na atualidade. A partir do momento em que os eventos esportivos ditam a pauta do país, criam recessos, alteram o calendário letivo, implicam mudanças de infraestrutura e recebem elevado investimento público, é de se repensar o seu caráter "privado". Por outro lado, não parece adequado supor que qualquer evento (esportivo ou não) que implique a mobilização de multidões possa ser considerado fora do conceito de segurança pública. Não é.

Eneida Desiree Salgado é professora de Direito Constitucional da UFPR e da UniBrasil; Emerson Gabardo é professor de Direito Administrativo da UFPR e da PUCPR.

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