Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Artigo

Política no WhatsApp: quando o grupo de amigos vira ringue virtual

(Foto: Julian Christ/Unsplash )

Ouça este conteúdo

As redes sociais revolucionaram nossa comunicação, aproximando amigos, resgatando contatos e proporcionando acesso instantâneo a notícias do mundo todo. Hoje, com poucos cliques, conseguimos reencontrar colegas de infância, acompanhar o dia a dia de familiares distantes e compartilhar momentos especiais em tempo real. No entanto, junto com essa praticidade, veio também um efeito colateral inevitável: a onipresença da política. O que antes era um ambiente de interação leve e espontânea, repleto de memes, convites para encontros e recordações nostálgicas, pode rapidamente se tornar um campo de batalha ideológico. E quando esse tema invade grupos de WhatsApp criados para lazer, o que deveria ser descontraído pode perder o encanto em um piscar de olhos.

Falo por experiência própria. Participo de um grupo de ex-atletas do atletismo, gente que abrilhantou as pistas entre as décadas de 60, 70 e 80, colecionando medalhas, troféus e histórias memoráveis. O grupo de WhatsApp surgiu para reunir velhos amigos, reviver bons momentos e espalhar leveza no dia a dia. Até então, tudo fluía bem: todos toleravam o clássico "bom dia, boa tarde, boa noite", e até as inofensivas mensagens motivacionais eram recebidas com prazer. Mas bastou a política entrar no circuito para o clima mudar e começarem as reclamações.

É inegável que o WhatsApp trouxe modernidade à comunicação. Mas e o futuro? Quem sabe os grupos de WhatsApp voltem a ser territórios de paz, onde a maior polêmica seja decidir entre um jantar italiano ou de frutos do mar

Entendo que vivemos tempos em que política está em toda parte: no almoço de família, na fila do supermercado e até nas discussões sobre cinema. Mas será que ela precisa, obrigatoriamente, tomar conta do grupo de amigos? O que era um espaço para piadas, convites para encontros e recordações esportivas pode virar, em segundos, um campo minado de debates acalorados.

Discutir política é um direito – e, muitas vezes, um dever. Mas já conhecemos o roteiro: de um lado, discursos inflamados; do outro, o silêncio incômodo de quem percebe que a treta está longe do fim. Como tudo na vida, há hora e lugar. Em grupos de ex-colegas de esporte, trabalho ou lazer, o ideal é que a conversa gire em torno das boas recordações, e não vire um cabo de guerra ideológico que faz participantes fugirem para o "modo avião" para se preservar ou, pior, saírem do grupo de fininho, sem avisar – a clássica "saída à francesa".

Para alguns, o grupo se torna um palanque permanente. Você entra para ver um meme e dá de cara com um manifesto de 20 parágrafos ou um vídeo de uma hora sobre a conjuntura política nacional, às vezes até internacional. Se você não responder, é rotulado de "isentão"; se responder, prepare-se para um debate sem fim. Definitivamente, uma cilada digna de filme de suspense.

E não podemos esquecer as fake news, que se espalham mais rápido do que promoção de cerveja no verão. Sem a devida checagem, há quem compartilhe "notícias" tão confiáveis quanto um e-mail de uma viúva romena oferecendo uma herança milionária. Pior ainda quando surge aquele amigo que se autoproclama juiz do Supremo WhatsApp, pronto para julgar quem ousa pensar diferente.

VEJA TAMBÉM:

Outro argumento comum é que o grupo de WhatsApp só é democrático se permitir desabafos políticos. Mas vale lembrar: democracia também significa respeitar a maioria, e liberdade individual é ótima desde que não passe por cima da liberdade alheia. Conviver também é reconhecer o direito de outros participantes do grupo de querer apenas jogar conversa fora, sem precisar de um escudo antimísseis argumentativo.

Se a ideia é discutir política, por que não criar um grupo de WhatsApp específico para isso? Assim, quem quiser participar entra por livre e espontânea vontade. Afinal, tudo tem seu espaço: ninguém jogaria futebol dentro de uma biblioteca, pois, embora possa ser divertido para alguns, certamente incomodaria a maioria. Do mesmo modo, imagine se, no meio de um jogo da seleção, os comentaristas resolvessem parar tudo para debater a reforma tributária? Pois é, essa ninguém ia curtir.

VEJA TAMBÉM:

Sejamos honestos: o WhatsApp veio para facilitar a vida, não para complicá-la. Os grupos de amigos no WhatsApp sempre foram espaços de descontração, onde risadas surgem do nada e memórias são revividas com um simples "Lembra daquela vez que...?". A amizade, afinal, é um refúgio para a saúde mental e emocional, algo que vale mais do que qualquer discussão acalorada. É inegável que o WhatsApp trouxe modernidade à comunicação. Mas e o futuro? Quem sabe os grupos de WhatsApp voltem a ser territórios de paz, onde a maior polêmica seja decidir entre um jantar italiano ou de frutos do mar.

No fim das contas, manter uma convivência leve é o que realmente importa. Boas histórias e risadas sempre valerão mais do que debates que afastam amigos. Que tal focarmos no que nos une, em vez de dar palco para aqueles quatro ou cinco integrantes que fazem de qualquer assunto uma batalha? Porque, convenhamos, brigar por política com amigos é como discutir com o GPS: você pode até estar certo, mas a viagem fica insuportável.

William Horstmann, engenheiro, é ex-executivo e consultor.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

Use este espaço apenas para a comunicação de erros