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 | Cesar Itiberê/PR
| Foto: Cesar Itiberê/PR

Dificilmente um prefeito convence seus eleitores a elevar hoje o preço da gasolina, para evitar que o nível do mar suba no fim do século. Ainda que tivessem solidariedade com as próximas gerações, os eleitores sabem que o problema climático é planetário, não é provocado apenas pelos carros de sua cidade.

Com seus interesses locais e visão de curto prazo, o eleitor de um país não representa a humanidade, de hoje e do futuro. Promessas de emprego, renda e consumo no presente representam melhor a vontade dos eleitores do que a ideia de salvar a Terra no futuro. Por isso, quando os governantes elaboram pactos internacionais, eles têm dificuldades em ratificar e cumprir essas decisões por seus eleitores, na hora em que os sacrifícios ficam conhecidos.

O mesmo ocorre com outros problemas do mundo global, como a imigração. O fechamento de fronteiras atrai mais apoio que a proposta de aceitar imigrantes. Os eleitores não gostam de sacrifícios para proteger o meio ambiente, nem de medidas de abertura de fronteiras para receber imigrantes que vão ocupar suas ruas, seus empregos, suas escolas. Para o eleitor, “nós” representa a família, a cidade ou o país, não a humanidade e o planeta.

Os problemas da democracia decorrem da maneira como líderes e partidos agem em suas disputas internas

Daí a dificuldade em obter simpatia popular para acordos como o de Paris, sobre meio ambiente, e o de Marrakesh, sobre migração, assinados por presidentes nacionais que serão substituídos por novos presidentes, quase sempre com ideias contrárias, quando os eleitores elegem populistas nacionalistas. A democracia, nacional e imediatista, não tem visão de longo prazo, nem é solidária internacionalmente: não é humanista.

Mesmo autores que falam dos riscos da democracia analisam a fragilidade do regime democrático na ótica dos problemas internos dos países, e não pelo fato de que a democracia não oferece solução para os problemas contemporâneos, globais e de longo prazo. Para estes autores, os problemas da democracia decorrem da maneira como líderes e partidos agem em suas disputas internas; não porque o planeta e a humanidade se transformaram em temas políticos, não mais apenas filosóficos, ainda que os eleitores não captem o novo sentimento e a nova lógica.

A democracia ficou atrasada em relação aos avanços tecnológicos e sociais em escala global. Os limites nacionais das regras democráticas não permitem cuidar, de maneira plena, dos limites da ecologia, nem da expansão da migração.

Leia também: O dogma de nossos dias (artigo de Robson de Oliveira, publicado em 13 de maio de 2018)

Leia também: São Francisco de Assis, inspiração educacional ao humanismo solidário (artigo de Frei Claudino Gilz, publicado em 3 de outubro de 2018)

Por isso, o debate político não está mais entre as velhas “direita” e “esquerda”, mas entre utópicos humanistas e populistas pragmáticos. E estes tendem a ganhar, até quando a pedagogia da catástrofe transformar o eleitor provinciano em um humanista. Mas, quando isso acontecer, já pode ser tarde.

Para enfrentar a crise ambiental, não bastam a cidadania e a democracia, inventadas para administrar cidades. Para cuidar desse novo mundo será preciso criar um sentimento de “planetania”, que vá além da cidadania, e uma prática de “humanocracia”, que vá além da democracia. Mas o futuro visível não nos permite prever um eleitor globalizado em uma democracia planetária. A “humanocracia” vai exigir respeitar o voto do eleitor local e imediatista, mas sob um escudo humanista, contando com valores éticos universais que pairem acima das decisões eleitorais nacionais e imediatistas: o equilíbrio ecológico, a sobrevivência das espécies, a sustentabilidade do processo produtivo e de consumo, a solidariedade humana, independentemente da nacionalidade.

Cristovam Buarque é senador pelo PPS-DF e professor emérito da Universidade de Brasília (UNB).
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