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Neste mês de junho, em que se comemora o Dia Mundial do Meio Ambiente, assim como em todos os últimos anos, há mais para refletir e planejar do que razões para comemorar. Vimos há três anos o sangramento do nosso Código Florestal no Congresso Nacional. Paralelamente, sentimos uma explosão do setor da construção civil em todos os aspectos: no custo dos imóveis, no uso de recursos, no adensamento urbano, no comprometimento do sistema viário e na ocupação de áreas verdes e úmidas. Vimos na última década reiteradas “catástrofes naturais”, admirados com os castigos implacáveis da chuva e da seca. No último ano, vimos a capital financeira do Brasil entrar em colapso hídrico, que trouxe consigo a crise energética.

Não há como objetivar água de qualidade se não houver integração entre as políticas públicas

Curiosamente, observamos todos esses fenômenos sem conseguir associá-los, sem conseguir apontar causas e consequências. Em alguns casos, atribuímos os eventos à força da natureza, ao azar, sendo necessário chegar ao limite da insustentabilidade para que os efeitos do mau planejamento urbano e econômico sejam atribuídos à sua verdadeira causa: mau planejamento urbano e econômico.

Naturalmente, é injusto pensar que não haja qualquer forma de planejamento. É mais adequado questionar a que interesses atende esse planejamento, e para ilustrar essa questão não é preciso ir até São Paulo.

Na terra dos pinhais, no ano passado, testemunhamos manobras na Assembleia Legislativa do Paraná para flexibilizar o licenciamento ambiental e a expansão urbana nas áreas de manancial da Região Metropolitana de Curitiba. Sob o pretexto de trazer o desenvolvimento econômico para os municípios onerados pela produção de água para a capital, desejava-se assumir o risco de contaminar as fontes hídricas que atendem mais de dois milhões e meio de pessoas, numa clara inversão de prioridades.

As pretensões de incluir nosso território manancial na lógica de produção de capital se configuram mais como um agravante para os problemas já enfrentados por essas áreas – e pela gestão hídrica da RMC – do que como um novo desafio. Nossas áreas de manancial já se encontram fragilizadas, ainda que o regramento mais restritivo do uso do solo tenha sido mantido.

Na prática, não há o pleno cumprimento da lei, e a fiscalização não acompanha as intervenções ilegais nessas áreas, seja pelas suas limitações ou por interesses políticos e econômicos. Com as mudanças na lei, as intervenções danosas às reservas hídricas seriam então multiplicadas, desta vez com o aval do poder público. É necessário incluir ainda nessa discussão o impacto gerado pelo uso extensivo de agrotóxicos nas culturas sobre os mananciais. O cultivo de alimentos livres de venenos agrícolas está intimamente associado ao cultivo da boa água. Associado a isso, é necessário resgatar a importância da recomposição de matas ciliares, não somente nas áreas de manancial, mas em todas as nossas nascentes, córregos e rios.

Nesse sentido, é possível identificar como uma das bases do mau planejamento a dissociação entre as políticas públicas. Não há como objetivar água de qualidade e em quantidade nas torneiras se não houver integração entre as políticas públicas de licenciamento ambiental, de recuperação florestal, de planejamento urbano e metropolitano, de incentivo à agricultura orgânica e familiar, de educação ambiental.

A lição de casa é então trabalhar nessa integração, o que só será possível com participação e controle social permanentes na elaboração e condução de políticas públicas – o melhor remédio para o mau planejamento urbano e econômico.

Saint-Clair Honorato Santos é procurador de Justiça do MP-PR e coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Meio Ambiente.
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