A praça do Batel é um "lugar", muito mais do que um "espaço" ou um "local". Tornar-se um "lugar" demanda uma tal complexidade que talvez só possa ser compreendida através de seu oposto, o "não-lugar". Esse é o espaço estéril, impessoal, acelerado pelo tráfego, afetado pelo ruído, sem escala humana, sem aconchego, sem afetividade, onde não se deseja parar e ficar, onde as pessoas não se encontram. São os espaços em maior quantidade em uma cidade, principalmente as que privilegiam a circulação de veículos em detrimento do convívio humano.

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Um "lugar" é facilmente reconhecido. É aquele local de destino para o qual se passa por vários ‘não lugares’ até, com regozijo, se chegar a ele. No nível privado é nossa casa, nosso quarto, nosso templo, onde nos sentimos bem, protegidos e com o espírito livre. Em nível urbano é aquele local público ou semipúblico, ao qual nos dirigimos para o encontro com amigos, para a contemplação de uma paisagem, evento ou para uma vivência mais significativa e mais pausada, como um café, um restaurante, um bar, uma rua, uma praça, etc.

Ao passo que, a maioria dos ambientes semipúblicos objetiva a ambientação de "lugar", os ambientes urbanos têm primado por subtrair da população os poucos espaços co-presenciais ainda significativos em nossas cidades, principalmente as praças.

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Essas são pontos nobres do tecido urbano, embora certas ruas tenham também essa característica. É o espaço de respiro deixado pela densificação urbana, onde predomina a linha horizontal à vertical, onde a vista se espalha, onde se adquire a distância necessária para que sejam contemplados referenciais naturais ou urbanos e é também onde se reverenciam fatos históricos de outros homens que souberam dignificar a sociedade humana.

As praças de Curitiba têm sido tratadas com desdém e desprezo. Várias foram suprimidas em prol de edifícios como terminais de transportes, escolas, hospitais, etc. Sempre o tomador foi o poder público e nunca, mesmo no regime democrático, a população foi consultada, conforme estabelecido no Art. 43 da Lei Federal 10.257/2001. A cada ação de "tomada de uma praça", uma outra próxima e maior deveria surgir, pois é apenas o poder público que detém os meios de desapropriação e compra compatíveis com os desafios de transformação e crescimento das cidades.

A praça pertence à cidade; mais ainda, ao seu bairro e às pessoas que vivem em sua proximidade. O Estatuto da Cidade, que tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade dispõe (Art. 37) que "empreendimentos e atividades privados ou públicos em área urbana dependerão de elaboração de Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança" de forma a "contemplar os efeitos positivos e negativos do empreendimento quanto à qualidade de vida da população residente na área e suas proximidades".

Uma praça é um referencial, mas sofre por sua condição potencial. Deveria ser um espaço intocável, mas há sempre alguém que pensa que uma edificação sobre aquele "vazio" seria mais útil à comunidade.

A sociedade sempre precisará de mais espaços e a tentação de usar a área ‘"disponível" das praças poderá parecer a menos custosa, aliada à falsa "nobreza" da justificativa de sua finalidade.

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Praça é um lugar cujo espaço é preenchido pelo não-construído. É o lugar das possibilidades e das experiências. Se construído, essas acabarão. Deve ser respeitada como um monumento de apenas duas dimensões e poupado para as necessidades práticas, culturais e simbólicas das gerações futuras. Assim revelam praças como a de Siena, a de São Marcos (em Veneza) ou mesmo a de São Pedro (Vaticano). A ninguém cabe a pretensão de que sua obra seja mais útil ou importante do que aquele espaço "não-construído".

Das necessidades de uma cidade, as soluções para o trânsito são apenas uma delas. Há outras facetas da boa gestão urbana, como a da manutenção da identidade urbana. Esterilizar a Praça do Batel transformando-a em uma esquina como outras milhares já existentes (não-lugares) não é uma solução de trânsito, mas uma agressão ao patrimônio público. As árvores da praça têm a idade de pelo menos dez gestões de prefeitos.

Podemos citar três bons exemplos de não-construção em prol de Curitiba. Graças a Rubens Meister, o Teatro Guaíra foi erigido em terreno comprado pelo estado e não na Praça Rui Barbosa, como previa o concurso; um viaduto que sairia da Praça Tiradentes e passaria elevado sobre a Rua XV não foi erguido, tampouco foi construído um hotel privado em terreno onde hoje é o estacionamento frontal da Estação Rodoferroviária. Coube a esse engenheiro-arquiteto demonstrar, tanto aos prefeitos quanto ao governador, que as intenções eram inapropriadas e consistiam em graves erros urbanos.

As cidades são um projeto coletivo, realizando sua escrita construída ao longo do tempo. O novo deve respeitar o antigo sem comprometer o futuro. As praças configuram os "lugares" da cidade enquanto o trânsito configura lugar nenhum.

Claudionor Beatrice é arquiteto e urbanista, especialista em História da Arte e professor de projeto integrado nos cursos de Arquitetura e Urbanismo da PUCPR e do Unicenp.

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