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Nos EUA o número de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza aumentou consideravelmente. A ponto de os próprios estadunidenses começarem a questionar o sistema capitalista

O tema central da corrida presidencial nos Estados Unidos (EUA) é a crise econômica que assola aquele país desde 2008. Mais do que discussões no pleito da maior economia do mundo, o que está em xeque é a própria capacidade de sobrevivência do sistema econômico mundial na forma como está estruturado. O próprio Fórum Econômico Mundial em Davos discutiu a necessidade de profundas mudanças no capitalismo, algo impensável há cinco anos.

A origem da crise está no que é conhecido em Economia como "lei da escassez": os recursos têm limite, logo, a alocação desses recursos está sujeita a restrições. Parece estranho falar em escassez no momento em que cada vez mais bens de consumo estão a nossa disposição. Nos EUA, a meca da fartura, o número de milionários e bilionários aumentou significativamente nos últimos 20 anos. Então, como é possível falar em escassez?

A resposta é simples: só há multimilionários nos EUA porque há pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza na África, Ásia e na América Latina. Os recursos naturais chegam baratos às fábricas hoje instaladas principalmente na China e Índia, para depois chegarem – também baratos – na forma de bens de consumo aos países ricos. Na origem desta "pechincha" está a degradação do meio ambiente, primeiro na extração dos recursos naturais para a obtenção de matérias-primas, passando pela poluição causada pelo processo de produção, até o depósito dos resíduos do ato do consumo. Portanto, a "lei da escassez" hoje pode ser resumida na seguinte frase: concentração de riqueza e renda de um lado, devastação do meio ambiente de outro.

Mesmo no paraíso do consumismo, nos EUA o número de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza aumentou consideravelmente nos últimos anos. A ponto de os próprios estadunidenses começarem a questionar o sistema capitalista e a legitimidade de tanta opulência em meio à crescente pauperização. E, principalmente, questionar o porquê de trilhões de dólares pagos pelos contribuintes terem sido usados para salvar banqueiros e demais agentes do sistema financeiro, que operavam acima do limite da razoabilidade, beirando e, às vezes, ultrapassando a ilegalidade. É essa percepção que explica o movimento Ocupe Wall Street, talvez a mais intensa manifestação popular nos EUA desde os protestos contra a Guerra do Vietnã no final da década de 1960.

Obama foi eleito em 2008 como a grande esperança de corrigir essas distorções. E também como o oposto daquilo que representou a sombria "Era Bush" de intensificação da economia de guerra, manipulação de relatórios científicos sobre a degradação do meio ambiente, além da condução de algumas políticas sociais baseadas em preceitos religiosos, como a inacreditável "abstinência" para combater doenças sexualmente transmissíveis e evitar a gravidez precoce. Apesar de tantos malefícios advindos da Era Bush, as benesses aos mais ricos e ônus à classe média americana são os temas que passaram a ser o foco do eleitorado nos EUA.

O fato é que a solução para a crise do sistema econômico mundial passa necessariamente pela quebra de dois tabus. O primeiro é exatamente o aumento das alíquotas de Imposto de Renda para as classes mais ricas. Afinal, essas são sempre beneficiadas pelo uso do solo e de outros recursos naturais, da força de trabalho e pelas vantagens sociais e políticas oferecidas pelos respectivos países – sejam eles quais forem. Em toda a história da humanidade, as classes mais ricas contribuíram proporcionalmente menos do que as mais pobres. Agora é chegada a hora de os mais ricos oferecerem maior cota de contribuição. Continuarão multimilionários, apenas contribuirão mais.

O segundo tabu é o uso mais efetivo das políticas fiscais para solucionar problemas estruturais, como aquecimento global, poluição e uso de fontes renováveis de obtenção de energia. E talvez a quebra desse tabu passe pela constituição de empresas estatais destinadas a programas como resíduo zero e reciclagem total, geração de energia eólica e solar e otimização de transportes coletivos de massa.

É pouco provável que a quebra do segundo tabu seja tema dos próximos capítulos da corrida à Casa Branca. Mas o primeiro definitivamente entrou na pauta. Pode ser o início de uma mudança no sistema econômico mundial, a grande transformação que se torna cada vez mais urgente.

Fabrício Pessato Ferreira, mestre em Economia, é coordenador dos cursos de Ciências Contábeis e Gestão Financeira da Veris Faculdades – Grupo Ibmec Educacional.

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