| Foto: Robson Vilalba/Thapcom

O ano mal começou, o leitor ainda luta contra a ressaca da festa da virada, e já vem o guloso Leão apresentar sua bocada: IPTU e IPVA. Confesso que é nesses momentos que mais bate aquela satisfação de não estar morando no Brasil. Qual o propósito do IPVA? Há alguma coisa que se possa chamar de justiça nesse tributo?

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O Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores, como o nome já diz, incide sobre o simples fato de o cidadão (ou súdito) possuir um veículo automotor. É um imposto de propriedade, nada mais. No passado, quando era ainda Taxa Rodoviária Única, era vinculado aos gastos com o sistema de transportes. Não mais. O imposto estadual tem como objetivo apenas arrecadar mais dinheiro para os cofres do governo, uma função exclusivamente fiscal.

A alíquota incide sobre o valor venal do veículo. Ou seja, o sujeito que é louco o suficiente para ter uma Ferrari no Brasil paga de imposto um carro zero km por ano. Será que a Ferrari usa mais asfalto? Será que faz sentido cobrar tão mais só porque o rico pode pagar?

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Fica evidente o caráter redistributivo do imposto, o que é marxismo na veia: “de cada um de acordo com sua capacidade, a cada um de acordo com sua necessidade”. Com o tempo, em países com tal mentalidade, ninguém mais pode nada, e todos necessitam de tudo, já que quem não chora não mama. Punir os mais ricos nunca foi bom para ajudar os mais pobres – serve só para acalentar o coração dos invejosos.

A revolta gerada pela sensação de que somos uns otários é fundamental para mudar as coisas

Se o imposto ainda fosse vinculado ao setor de transportes, como deveria ser, o pagador poderia avaliar de forma mais direta o que recebe em troca: ruas e estradas que mais parecem queijos suíços de tantos buracos. A título de ilustração, a Polícia Rodoviária Federal registrou quase mil acidentes em rodovias federais durante o feriado do ano-novo, e quase 70 mortes. E não é só a imprudência do motorista que explica isso: a qualidade das nossas vias, em geral, é péssima.

Ou seja, o proprietário do veículo paga uma fortuna de IPVA, e ainda é obrigado a trafegar em avenidas e estradas caquéticas. As que foram concedidas ao setor privado e cobram pedágio costumam ter condições melhores. Muitos reclamam dos altos preços desses pedágios, mas a revolta estaria melhor canalizada se fosse contra o IPVA, a fundo perdido.

O leitor pode querer saber como funciona aqui nos Estados Unidos, para comparar com a realidade brasileira. Estamos aqui para isso. Mas adianto que conhecer como são as coisas num país civilizado pode ser uma experiência traumática. E assim se espera: a revolta gerada pela sensação de que somos uns otários é fundamental para mudar as coisas. E o Brasil certamente tem “malandro” demais para “otário” de menos, o que nos transformou numa nação de otários.

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Para começo de conversa, o valor do carro é menos da metade nos Estados Unidos, às vezes um terço do valor brasileiro, dependendo do câmbio. E isso lembrando que o americano ganha, na média, cinco vezes o que ganha o brasileiro. Ou seja, comprar um carro à vista é ao menos dez vezes mais barato em termos relativos para um trabalhador americano.

Leia também:Extinção do IPVA, uma questão de justiça tributária (artigo de Paulino Mello Junior, publicado em 7 de junho de 2017)

Mas raramente ele compra à vista. O crédito é barato. Os anúncios pululam na televisão: uma Mercedes novinha sai por uns US$ 300 mensais no leasing. Vários carrões podem ser adquiridos por pouco mais de US$ 100 ao mês. É a realidade de quem vive num país com taxa de juros reduzida – e pobre daquele que, como os empresários da Fiesp e os economistas da Unicamp, acham que basta “vontade política” para reduzir os juros. Dilma bem que tentou, sob os aplausos de Benjamin Steinbruch, e deu no que deu.

Quando o sujeito compra o carro, por esse valor bem menor, ele sai da loja em alguns minutos, com tudo resolvido e veículo emplacado. Despachante? Boa sorte ao tentar explicar ao americano o que é isso. O selo à guisa de IPVA, que o proprietário mesmo coloca na placa, pode ser comprado pela internet e chega pelo correio. Agora, prepare o coração: mesmo para um carrão de luxo, esse selo não sai por mais do que US$ 100 por ano.

Vistoria anual no Detran, perdendo um dia inteiro? Não tem. E tampouco você passará por esse transtorno apenas para ver uma carroça caindo aos pedaços trafegando “de boas”, sem ser importunada pela polícia rodoviária. A mentalidade é bem diferente: pune-se o ato. Ou seja, se você for parado fazendo alguma bobagem, ou com o carro sem estar em perfeito estado, aí você pode se dar mal. Há quase três anos na Flórida, ainda não sei o que é uma vistoria, tampouco uma multa: basta dirigir dentro das regras e nada acontecerá. Esquece blitz de Lei Seca. O motorista só será parado se fizer alguma coisa errada na direção.

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Leia também: A história pela metade (editorial de 13 de setembro de 2015)

Não quero dizer que tudo é perfeito aqui. Há muitos acidentes, até porque são muitos carros – qualquer “pobre” americano tem ao menos um carro decente na garagem – e a turma adora dirigir escrevendo no celular. Morrem mais de 30 mil pessoas por ano em acidentes de carro aqui. Mas, em termos relativos, é muito menos que no Brasil. Foram 37 mil mortes em 2016, para 320 milhões de habitantes (quase todos motorizados). No Brasil são mais mortes para uma população de 200 milhões, sendo que nem todos possuem carros.

O resumo da ópera é que o brasileiro paga imposto demais e nada recebe em troca. Quando chegar a fatura do IPVA, portanto, lembre-se de que isso é mais um efeito de um país com mentalidade muito estatizante e esquerdista. A idolatria de parte da população pelo Estado tem feito com que os impostos só aumentem, em vão. E essa montanha de recursos tirada à força do trabalhador serve para alimentar uma máquina ineficiente, inchada e corrupta.

As únicas saídas para o Brasil são o aeroporto e o liberalismo, como dizia Roberto Campos. Mas não dá para todos os brasileiros morarem na Flórida. Melhor, então, todos nós lutarmos mais pelo liberalismo, pela redução do tamanho do governo, por menos impostos. E para isso é crucial abandonar a mentalidade de que o Estado é o instrumento da “justiça social”, que precisa apenas tirar dos ricos para dar aos pobres.

Rodrigo Constantino, economista e jornalista, é presidente do Conselho do Instituto Liberal.