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Imagem ilustrativa.| Foto: Unsplash

Já faz algum tempo que estudo essa proposta de modalidade de ensino pelo fato de eu ser pedagoga, mas até agora não consegui nenhuma fundamentação teórica e científica que possa dar base para o homeschooling. Nenhuma teoria séria pertinente ao desenvolvimento da criança – que deveria ser o cerne da questão – pode ser usada para dar base a essa forma de ensino. Em se tratando dessa discussão, há escassez de materiais acadêmicos científicos.

Digo isso pois as teorias pedagógicas mais bem aceitas falam da necessidade do outro como agente do desenvolvimento de uma criança/sujeito. Um exemplo é toda a elaboração teórico-científica de Vygotsky e o (socio)interacionismo.

Uma criança na pré-escola, ou até mesmo no ensino fundamental, não precisa somente de uma pessoa “com ensino superior”, como é colocado no projeto de lei sobre homeschooling aprovado na Câmara dos Deputados. Mais do que isso: é comprovado cientificamente que uma criança se desenvolve com maior eficácia quando está entre seus pares. Ou seja, ela necessita de outras crianças da sua faixa etária convivendo e realizando trocas juntos.

Necessita de seus pares, de adultos e de diversidade. O fato de uma criança não ir para escola e, teoricamente, ter um adulto com ensino superior em casa, não garante absolutamente nada quando falamos em desenvolvimento integral.

A escola não é feita somente por uma professora com ensino superior, obviamente é a figura dos saberes científicos adequados para a sua ação pedagógica, claro. Porém, existe muito mais. Um exemplo é a própria estrutura física da escola que pode ser contribuinte para o progresso ou regresso do desenvolvimento de uma criança.

É preciso lembrar que a escola é feita de sujeitos: colegas, amigos, funcionários, familiares e comunidade. Isso significa que todos são sujeitos, portanto, absolutamente tudo é pedagógico dentro de uma escola, desde o ato de colocar o pé dentro dela, até o ato de aprender a pegar um lápis para escrever.

A criança adquire a fala através da escuta, por meio da socialização. Algo que qualquer leigo pôde perceber com a pandemia ao ver a grande massa de crianças com atraso em seu desenvolvimento cognitivo, social e intelectual por causa das aulas interrompidas. Além disso, a criança necessita do lúdico, do faz de conta, da fantasia e imaginação. Algo que puramente é encontrado em outras crianças.

Não existe detentor do saber que transfere conhecimento para um sujeito, como se fosse para uma folha em branco que vamos adicionado os rabiscos que gostamos. Todas as crianças, adolescentes, jovens e adultos  são seres ativos. Não existe tabula rasa. Por isso, todos desenvolvem seus processos de ensino e aprendizagem em contato com o coletivo, interagindo com o meio e o meio interagindo com o sujeito.

Se uma criança não é estimulada fisicamente em seu ambiente – o qual pode ser um ambiente pobre – possivelmente terá dificuldades sensório-motoras, de noção espacial e geográfica, de tempo, atenção. Isso poderá, por exemplo, impedir que essa criança se torne um futuro atleta ou fazer com que ela tenha dificuldade em se localizar dentro de um prédio, numa rua, em um bairro. Prejudica até mesmo sua capacidade lógica.

Da mesma forma, se uma criança tem pouco ou nenhum estímulo social (relacionamentos diversos), possivelmente encontrará dificuldades emocionais, afetivas, sociais e cognitivas. Poucas habilidades sociais prejudicam o sujeito em todas as esferas. Baixo poder aquisitivo de aprendizagens novas, vocabulário restrito, dificuldades nos relacionamentos interpessoais, falta de inteligência emocional e social, déficit em linguagens artísticas. Pouca ou nenhuma capacidade de interpretação de sentenças básicas ou complexas, déficit cognitivo, problemas comportamentais são outros efeitos possíveis.

Se uma criança assimila de forma equivocada algum saber essencial terá consequências na vida toda por uma assimilação incorreta que pode dificultar a resolução de problemas simples diários. Fazendo uma explicação rápida e vulgar: quando uma criança “aprende” errado o processo mental necessário para realizar um cálculo de adição/subtração/multiplicação, encontrará dificuldades em se apropriar de conhecimentos da matemática avançada.

Agora, se a educação é tão desafiadora até para professores que têm formação na área, imagine para um pai ou mãe que mistura autoridades, percepções e conhecimentos, muitas vezes inadequados? Uma criança não pode ser vista somente por aquilo que ela poderá ser, como uma miniatura de adultos, mas sim como sujeitos que já estão SENDO no mundo. Deixar uma criança fora da escola é um dos maiores crimes que poderia se cometer.

Outro ponto importante é como ficarão as crianças com deficiência. Elas serão prejudicadas, são as que mais necessitam de estímulos e incentivos para progresso de suas habilidades e competências, bem como para qualidade de suas vidas.

A escola é um agente socializador. Sem a socialização voltaremos ao nível zero de progresso cultural, educacional e social. Excluir crianças com a desculpa de maior “liberdade” é antidemocrático e vai contra a preconização da educação brasileira de que escola é para todos.

Greice Franco é pedagoga com experiência na área da inclusão.

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