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| Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

Nesta quarta-feira, o Supremo Tribunal Federal decide o habeas corpus relativo ao ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, situação que, seguramente, impactará a liberdade de vários outros condenados no âmbito da Operação Lava Jato. Ademais, a consequência social e política do posicionamento da suprema corte já é sentido nas ruas do país. O título do artigo, extraído da música Desordem, dos Titãs, evidencia o dilema vivenciado atualmente no Brasil.

O álbum Jesus não tem dentes no país dos banguelas, de 1987, reflete o momento vivido nessa plaga logo após o período de redemocratização, quando as instituições ainda não apresentavam solidez, com efeitos sentidos no cotidiano nacional. Passados mais de 30 anos, a impressão que se tem é de que, em termos estruturais, pouca coisa mudou.

A segurança jurídica não é um princípio valorizado socialmente e no bojo de várias instituições

“Não sei se existe mais justiça / nem quando é pelas próprias mãos / população enlouquecida, começa então o linchamento”. Tais versos, da música citada, lembram o tratamento que tem sido dispensado a Lula na caravana que tem realizado pelo país, especialmente na Região Sul. A sensação de impunidade após a decisão liminar dada pelo STF em 22 de março, concedendo liberdade ao ex-presidente até este dia 4 de abril, acirrou ainda mais os ânimos da população, tendo em vista a raridade da medida adotada pela suprema corte. É extremamente preocupante a percepção de que a sociedade não confia em suas instituições. Sem elas, não há civilização, escancarando-se as portas para a barbárie.

“É seu dever manter a ordem / é seu dever de cidadão / mas o que é criar desordem / quem é que diz o que é ou não?” Em resposta a essa outra parte da canção, saliente-se que cabe ao STF a interpretação definitiva da Constituição e, no caso sob análise, decidir a extensão a ser conferida ao princípio da presunção de inocência, ponderado em contraposição ao princípio da efetividade da jurisdição. Decidir que alguém só deve ir para a prisão após o trânsito em julgado da decisão de última instância é visão que não encontra paralelo nas principais democracias ocidentais, as quais optam por prisão após decisões de primeiro ou, sobretudo, segundo grau. Os princípios, diferentemente das regras, devem ser sopesados e não são regidos pela lógica do tudo ou nada, em que a opção por um deles exclui a observância do outro, dada a ductilidade do direito, na expressão de Zagrebelsky. Assim, a presunção de inocência perde gradualmente sua força conforme a condenação é afirmada e reafirmada, nas duas primeiras instâncias, locais em que a análise da matéria de fato é esgotada. A partir daí, prevalece a efetividade da jurisdição, como historicamente se observou no Brasil, exceto no curto interregno compreendido entre 2009 e 2016.

Leia também: A chance do Supremo (editorial de 1.º de abril de 2018)

Leia também: A República desnuda (artigo de Hélio Gomes Coelho Junior, publicado em 26 de março de 2018)

Trinta anos se foram desde o lançamento do álbum dos Titãs e a democracia brasileira ainda não viceja com a solidez desejada pela população. A segurança jurídica não é um princípio valorizado socialmente e no bojo de várias instituições, com efeitos sensivelmente deletérios. “Quem quer manter a ordem? Quem quer criar desordem?” Com a palavra, o Supremo Tribunal Federal.

Elton Duarte Batalha é advogado, doutor em Direito e professor de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie.
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