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Aumentos que decorram de eficiência são sempre bem-vindos, mas os que funcionam por si sós apenas fazem despertar o fenômeno inflacionário

Aqueles que têm mais de 30 anos sabem o que de verdade significa a inflação. Lembram-se da perda do poder de compra da moeda. Conhecem as variações em torno do tema: hiperinflação, estagflação e deflação são assuntos nobres, que ocupam a memória ao lado de quinquilharias como as "tablitas", os "gatilhos salariais" e as moedas nacionais com nomes esquisitos (cruzeiros novos, cruzados e cruzados novos). Podem também explicar o que significa fazer "a compra do mês" (a ser feita no dia do pagamento, sob pena de, no dia seguinte, não se conseguir comprar tudo o que se necessitava). Pois as recentes notícias trazem à memória o que se passava um pouco antes desses períodos de inflação aguda – como que a anunciar o que pode estar por vir.

Note-se que o fenômeno não é novo na História do Brasil – vem, quando menos, desde a década de 1930. Já naqueles anos houve tentativas de se conter a inflação por meio de leis: o Direito prestando-se a criar a ficção da moeda estável. Assim se deu em 1933, quando surgiram o Decreto 22.626 (a chamada "Lei da Usura", que limitou os juros a 12% ao ano) e o Decreto 23.501 (que proibiu a chamada "cláusula-ouro": a indexação de contratos nacionais a moedas estrangeiras). Muitos anos depois, foram editados sucessivos "planos" de salvação da economia nacional: Cruzado (fevereiro de 1986); Bresser (junho de 1987); Verão (janeiro de 1989); Collor I (março de 1990); Collor II (janeiro de 1991) – até que se chegou ao engenhoso Plano Real (março de 1994). Então, já se sabia que a inflação brasileira é "inercial"; funciona por si própria: os agentes econômicos a retroalimentam com as próprias perspectivas inflacionárias. Cada um insere nos respectivos preços a sua expectativa de inflação futura e assim não só os reajusta, mas sim os aumenta em termos reais (salários, mercadorias, tarifas, etc.). Essa reconfiguração dos preços independente da demanda faz com que a inflação seja autônoma e fuja de qualquer controle.

Ocorre que, recentemente, os índices de inflação começaram a despertar. O IPCA, que é o índice do governo federal para as metas inflacionárias, atingiu 5,9% em 2010 – contra 4,31%, em 2009. Já o IGP-M, que tem forte impacto em contratos (sobretudo os de aluguel), atingiu 11,32% em 2010 – contra (-)1,72% em 2009. Considerações à parte das críticas quanto ao cálculo desses índices (o IGP-M é o vilão da temporada), fato é que a inflação aumentou além do previsto. Significa dizer que pode ter início a retroalimentação das perspectivas inflacionárias. Isso fica claro quando, ao invés da atualização dos salários que reponha a inflação, busca-se acréscimo real; ao invés da correção das custas de serviços administrativos, visa-se ao respectivo aumento... e assim por diante. Afinal, se o competidor (ou o vizinho, tanto faz) aumentou seus preços e não perdeu clientela, por que não aumentar também? Mas essa aceleração de preços tem ao menos um resultado certo: a depreciação do poder de compra da moeda e a respectiva corrosão da renda.

Por tais motivos, é necessária muita cautela ao se tratar de acréscimo real de preços e salários. Aumentos que decorram de eficiência são sempre bem-vindos, mas os que funcionam por si sós apenas fazem despertar o fenômeno inflacionário. Pois já se disse que a economia é uma menina mimada, que não gosta de provocações e responde desproporcionalmente quando contrariada. Caso se a provoque por meio da inflação, a menina pode ter reações que, em curto prazo, destruirão as conquistas adquiridas desde a década de 1990.

Egon Bockmann Moreira, advogado, doutor em Direito, é professor da Faculdade de Direito da UFPR.

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