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De acordo com dados do Ministério da Previdência Social (MPS), em 2024 foram registradas mais de 472 mil licenças médicas concedidas para afastamentos de trabalho por ansiedade e depressão, um crescimento de 68% em relação ao ano anterior, representando o maior número desde 2014.
Esse cenário impacta diretamente o setor logístico, que depende de equipes operacionais e administrativas em constante ritmo de produtividade e coordenação. A saúde mental, portanto, deixa de ser uma pauta apenas de recursos humanos para se tornar um fator determinante de eficiência, segurança e continuidade dos serviços.
Com a recente revisão da Norma Regulamentadora 1 (NR-1), cuidar da saúde mental dos colaboradores deixou de ser uma opção para as empresas e tornou-se uma obrigação legal.
A principal alteração da norma exige que os riscos psicossociais integrem o Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), promovendo uma mudança significativa ao incluí-los entre as responsabilidades obrigatórias das companhias.
O descumprimento pode gerar multas, fiscalizações, interdições e até responsabilizações trabalhistas, civis e criminais, colocando em risco a continuidade das operações.
No entanto, diante dessas mudanças, setores de alta pressão se deparam com um marco regulatório que, além de impor desafios, revela oportunidades para transformar a gestão de pessoas em vantagem competitiva.
Essa exigência abre espaço para uma mudança cultural em que organizações que investem em prevenção, protocolos de acolhimento e capacitação de líderes colhem resultados não apenas em conformidade legal, mas também em eficiência operacional.
Para isso, saúde mental e produtividade não podem ser vistas como dimensões separadas. Colaboradores emocionalmente equilibrados são mais engajados, resilientes e colaborativos, qualidades fundamentais para lidar com a complexidade operacional em setores que exigem precisão e agilidade, como o setor logístico.
Saúde mental e logística de alto desempenho
Na navegação, as equipes em terra e a bordo devem ser treinadas para identificar sinais de esgotamento mental e atuar de maneira humanizada. Nesse contexto, canais de escuta ativa e sigilosos cumprem papel essencial ao permitir que colaboradores relatem dificuldades sem receio ou estigma.
Diante disso, a revisão da NR-1 pode ser um divisor de águas para o setor. Ao incorporar o cuidado com a saúde mental às práticas de gestão, as empresas deixam de tratar o tema como despesa e passam a reconhecê-lo como investimento estratégico, capaz de gerar eficiência, segurança e outros diferenciais competitivos em um mercado cada vez mais exigente.
O desafio cultural, entretanto, permanece, já que o setor logístico tradicionalmente valoriza resiliência e resistência emocional, dificultando a abertura para vulnerabilidade e diálogo sobre saúde mental.
A revisão da NR-1 exige justamente o oposto: líderes preparados para escutar, acolher e intervir preventivamente. Romper esse estigma, no entanto, requer tempo, consistência e investimentos estratégicos para prevenir crises, reduzir acidentes e manter colaboradores saudáveis, protegendo a competitividade das operações.
Mudanças e efeitos
As alterações não devem ser encaradas apenas como um desafio regulatório, mas como oportunidade de repensar a forma como as empresas cuidam de suas equipes. Tratar a saúde mental como um pilar estratégico, e não apenas como cumprimento da lei, é reconhecer que produtividade e bem-estar estão intrinsecamente conectados.
A revisão da NR-1, portanto, é um convite para repensar a cultura organizacional, integrar a prevenção de riscos psicossociais à gestão estratégica e reconhecer que cuidar das pessoas é também cuidar da operação
A implementação de programas contínuos de suporte à saúde mental, com acolhimento e encaminhamento individualizado, além de campanhas de conscientização e workshops, promove a cultura do autocuidado e desmistifica tabus relacionados à saúde mental.
Além disso, com a evolução digital, a coleta e análise de dados tornam-se fundamentais para monitorar o impacto das ações, permitindo ajustes estratégicos e demonstração de benefícios para a empresa e os colaboradores.
A adequação também requer o avanço de programas que contemplem riscos físicos e psicossociais de forma integrada, reforçando prevenção e capacitação. Para que as empresas se adaptem à revisão da norma, é importante estruturar esse modelo de programa como oportunidade para consolidar iniciativas voltadas ao cuidado mental, estimulando a saúde física, emocional e social.
Da prevenção ao resultado concreto
Essas iniciativas, quando integradas, trazem impactos positivos e resultados perceptíveis, pois indicadores como absenteísmo e clima organizacional tendem a melhorar.
Quando priorizado um trabalho baseado em dados, acompanhamento contínuo e ajustes estratégicos, o ciclo não só atende às exigências regulatórias, como fortalece a cultura da empresa e a confiança dos colaboradores.
Para organizações que ainda não sabem por onde começar, é viável entender que não é preciso iniciar com grandes estruturas, desde que existam espaços de diálogo e escuta. A criação de canais acessíveis é um primeiro passo importante para valorizar o bem-estar das equipes. Com consistência, apoio especializado, treinamentos e integração, essas ações evoluem e se consolidam como programas robustos e estruturados.
Empresas que investem em programas internos de desenvolvimento, capacitando lideranças e incorporando métricas de bem-estar na gestão, atendem à lei e conquistam equipes mais engajadas e colaborativas, com resultados sustentáveis, incluindo o aspecto financeiro. Afinal, cuidar da saúde mental de quem faz parte do setor logístico é investir na força humana que move toda a cadeia de todas as indústrias.
Andréa Simões é Diretora de Gente, Cultura e Transformação Digital da Informação na Log-In Logística Integrada, grupo de soluções logísticas, movimentação portuária, navegação de Cabotagem e Mercosul, além de atuação na ponta rodoviária.



