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Lewandowski
O novo ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski.| Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF.

Juízes podem ingressar na política após deixarem o cargo? Devem? Em que condições? A recente nomeação do ministro aposentado do STF, Ricardo Lewandowski, para o cargo de ministro da Justiça reascendeu esse debate e provocou reações críticas ao chefe do Executivo. A razão principal para tanto foi a alegada semelhança entre a situação de Lewandowski e a do senador Sergio Moro. Como se sabe, Moro prolatou, como magistrado, decisões que impediram a candidatura de Lula à Presidência da República no pleito de 2018, sendo de todos conhecido o destino do senador em seguida. Lewandowski, quando ministro do STF, proferiu decisões que beneficiaram o partido do atual presidente da República, como, por exemplo, a que permitiu a votação em separado, no processo de impedimento da ex-presidente Dilma Rousseff, das sanções de perda de mandato e inabilitação para exercer funções públicas pelo prazo de oito anos. Moro e Lewandowski deixaram a magistratura e poucos meses depois foram integrar o primeiro escalão do Poder Executivo.

Teriam as decisões de Moro e Lewandowski, quando magistrados, sido contaminadas pelo desejo de fazer política no futuro? Teriam eles exercido suas funções de maneira independente ou atuaram em determinados casos pensando na possibilidade futura de entrarem para ao mundo da política? Não há como saber, mas a existência dessas dúvidas é ruim para a legitimidade das instituições envolvidas.

Não é recomendável, para a legitimidade do Judiciário, que pairem dúvidas sobre se as decisões de seus membros decorreram da interpretação imparcial da lei.

Nos termos da Constituição da República, juízes têm o papel de equacionar, com base na lei, os conflitos que emergem na sociedade. Essa atividade deve ser realizada de maneira imparcial e independente, por isso os juízes gozam de determinadas garantias (como a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de subsídio) e algumas vedações (como, entre outras, o exercício de atividade político-partidária e o exercício da advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração). Ônus e bônus da carreira escolhida. Chamo a atenção para a última das vedações citadas: o período de quarentena a ser respeitado pelo magistrado para poder advogar em determinado tribunal.

Esse tipo de vedação é salutar para as instituições, pois procura afastar conflitos de interesse e quebra da independência. Ela se faz presente no regramento de diversos cargos. No âmbito do Poder Executivo da União, por exemplo, ministros de Estado devem respeitar um período de seis meses antes de poderem voltar a atuar no mercado privado. O fundamento para a quarentena, como aponta a legislação, é evitar o possível confronto entre interesses públicos e privados que possa comprometer o interesse coletivo ou influenciar, de maneira imprópria, o desempenho da função pública.

Em outra frente, existe proposta em tramitação no Senado (PL 112, de 2021) que prevê a inelegibilidade de integrantes de forças policiais que não tenham se afastado definitivamente de seus cargos e funções até quatro anos antes do pleito. O ponto nevrálgico dessa vedação é buscar garantir que o desempenho da função pública na área de segurança seja o interesse coletivo, e não o privado, com vistas a futuro sucesso eleitoral.

Como apontado, atualmente a quarentena aplicável para a magistratura é a de não atuar, antes de encerrado o prazo de três anos, perante o tribunal ao qual o magistrado esteve vinculado. Parece pouco. A judicialização da política trouxe para o Poder Judiciário a competência de decidir temas fundamentais da esfera tradicionalmente ocupada por outros Poderes. Decisões de magistrados podem determinar cada vez mais os rumos da política partidária, portanto, não é recomendável, para a legitimidade do Poder Judiciário, que pairem dúvidas sobre se as decisões de seus membros decorreram da interpretação imparcial da lei ou de eventual preparação para uma carreira mediata no âmbito da política.

O ministro Lewandowski parece ter currículo, competência e credibilidade para assumir o cargo de ministro da Justiça, entretanto, ainda assim, a indicação do seu nome para a pasta deve servir (juntamente com o caso do senador Moro) para fomentar o debate sobre a possibilidade de magistrados ingressarem na política ou sobre a necessidade do estabelecimento de outras hipóteses de quarentena para os que deixarem a carreira, independentemente do motivo, para ingressar na vida política.

Álvaro Palma de Jorge é advogado e professor da FGV Direito Rio.

Conteúdo editado por:Jocelaine Santos
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