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Respeito ao devido processo legal é essencial para legitimidade da Justiça

Situações de restrição a advogados nas salas de julgamento têm gerado questionamentos sobre possível abuso de autoridade e violação de prerrogativas da advocacia. (Foto: Antonio Augusto/STF)

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O devido processo legal, princípio fundamental do ordenamento jurídico, assegura que ninguém seja privado da liberdade ou de bens sem um julgamento. Estamos falando, afinal, de normas preestabelecidas. Sua origem remonta à Carta Magna de 1215, que limitou o arbítrio estatal ao garantir que qualquer punição ocorresse mediante julgamento legítimo. Este conceito evoluiu por meio de documentos como a Petition of Right (1628) e o Habeas Corpus Act (1679), sendo consagrado na Constituição Federal de 1988, no artigo 5º, inciso LIV.

No Brasil, o devido processo legal exige que julgamentos observem princípios e normas, tal qual o juiz natural e a imparcialidade do magistrado. O artigo 5º, inciso XXXVII, por exemplo, veda os chamados “tribunais de exceção”. Já o inciso LIII determina que ninguém seja processado ou sentenciado senão pela autoridade competente. Além disso, o artigo 144 do Código de Processo Civil e o artigo 112 do Código de Processo Penal impedem que juízes julguem casos nos quais tenham interesse direto ou indireto.

Para garantir a legitimidade das decisões e a estabilidade do Estado Democrático de Direito é essencial que o STF siga estritamente o devido processo legal e assegure que os julgamentos sejam conduzidos de maneira impessoal e dentro dos limites constitucionais

Contudo, ultimamente, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem adotado entendimentos que suscitam questionamentos sobre a preservação dos princípios em tela e do devido processo legal. A designação reiterada de um mesmo ministro para relatar processos que não, necessariamente, são conexos gera concentração de decisões, comprometendo, ao meu juízo, a imparcialidade, ao passo em que fere a distribuição equitativa dos casos. Tal prática pode configurar desequilíbrio durante o julgamento, uma vez que aponta para um magistrado “guardião" de determinados temas – o que afronta o juiz natural, a impessoalidade e a colegialidade da alta corte.

Outro ponto controverso muito comum nos dias de hoje é a manutenção de processos no STF contra ex-autoridades que perderam o foro privilegiado por prerrogativa de função. A competência do Tribunal é restrita ao período em que o indivíduo exerce o cargo público, sendo necessário, então, remeter casos desta natureza às instâncias inferiores. Aliás, este tipo de atribuição é absoluta. A meu ver, manter esses julgamentos no STF desvirtua, novamente, o princípio do juiz natural e compromete a regularidade processual.

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Para garantir a legitimidade das decisões e a estabilidade do Estado Democrático de Direito é essencial que o STF siga estritamente o devido processo legal e assegure que os julgamentos sejam conduzidos de maneira impessoal e dentro dos limites constitucionais – sem revanchismos e preferências partidárias e ideológicas.

Este risco se torna especialmente relevante, por exemplo, no julgamento da tentativa de golpe de Estado e no que reside os atos de 8 de janeiro de 2023. Explico: o juiz que conduz a causa é, também, vítima direta e, ao atuar ativamente, assume atribuições que, por princípio, competem ao Ministério Público (MP). O desrespeito a este princípio não apenas compromete a validade das decisões, correndo o risco, a posteriori, de se gerar nulidades processuais; pode deixar impune aqueles que devem ser, de fato, condenados.

Casos análogos foram testemunhados num passado não tão distante de nossa República, com outros políticos como personagens centrais. Penso que, um remake jurídico nestas proporções pode ser desastroso para o futuro político e para a credibilidade da Justiça de nosso país.

Felipe Martarelli é advogado; doutor em Direito Constitucional, mestre em Direitos Fundamentais, especialista em Processo Civil, professor Universitário e escritor.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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