A profunda deterioração da esperança da sociedade brasileira na edificação de um cenário virtuoso em longo prazo, ocasionada pela sucessão de equívocos de natureza econômica e política, cometidos especialmente pelo governo federal a partir de 2010 no afã de garantir a colheita de louros presentes, ainda que em sacrifício do futuro, vem sendo encoberta por meio da indução de um perigoso consenso.

CARREGANDO :)

Mais precisamente, na visão do vice-presidente da república e articulador político deste segundo mandato de Dilma Rousseff, Michel Temer, o ministro da fazenda Joaquim Levy deve ser tratado como Cristo e não como Judas, pois, com a implantação de medidas duras, estaria preparando as bases para um novo ciclo de expansão econômica sustentada da nação.

Conforme popularizado por Milton Friedman, “não existe almoço grátis”

Publicidade

Por essa perspectiva, o aprofundamento da recessão, em curso desde abril de 2014 e camuflado durante o evento eleitoral, fruto da aplicação do aperto fiscal e monetário – e que se torna mais nítido a cada nova rodada de divulgação de indicadores econômicos –, representaria uma espécie de pedágio a ser pago para a depuração dos negócios que ressurgiriam com redobrado vigor.

Infelizmente o quadro não é tão simples nem róseo. O programa de ajuste foi patrocinado pela área econômica do Executivo, contando com a recente adesão do titular do Planejamento, Nelson Barbosa. Trata-se de um percurso que deve ser percorrido em fase com o ambiente conjuntural, requerendo permanentes aperfeiçoamentos e adequações e, quando necessárias, correções de rota.

Isso porque a inclinação contracionista da orientação econômica baseia-se nos princípios mais elementares da ortodoxia, expressos em restrição monetária (diminuição e encarecimento do crédito), contingenciamento orçamentário, corte de gastos pontuais e, principalmente, elevação de impostos. Aliás, esse último expediente constitui o jeito mais fácil de viabilizar a contínua transferência de renda do elemento mais eficiente do sistema, consubstanciado na iniciativa privada, para o deficiente, protagonizado pelo setor público.

Se o diagnóstico da doença e o remédio estiverem corretos e o staff do Planalto e o Congresso não atrapalharem, o esforço dos encarregados da macroeconômica pode ser recompensado, ao final de 2016, com o domínio das tensões inflacionárias e a estabilização da relação dívida/produto interno bruto. Por extensão, se obteria a preservação do selo de grau de investimento, conferido pelas agências internacionais de rating ao Brasil. Mas é só isso.

Publicidade

Contudo, o pulso do aparelho produtivo já emite sinais bastante evidentes de que há um descompasso entre as forças aplicadas pelo Banco Central (BC) e os demais entes envolvidos na estratégia de estabilização. Predomina a impressão de que a autoridade monetária estaria assumindo o trabalho pesado para mitigar a empreitada da Fazenda, mais sensível a resistências à compressão estrutural dos dispêndios públicos.

Em outras palavras, a cartilha econômica não deixa dúvidas quanto ao caráter absolutamente inócuo da utilização da terapia de juros elevados no combate à inflação produzida por correção de preços administrados, câmbio, contratos indexados. Tal procedimento não passa de um exercício de “enxugar gelo” com a toalha dos juros, buscando agradar os rentistas da dívida mobiliária federal.

O resgate da estabilidade macroeconômica mostra-se indispensável, porém insuficiente, para assegurar a contratação de uma etapa expansiva em bases sólidas que, por seu turno, exige o cumprimento de árdua tarefa de renovação da capacidade de formulação e execução de política econômica. Afinal, conforme popularizado por Milton Friedman, “não existe almoço grátis”.

Gilmar Mendes Lourenço, economista, é professor da FAE Business School.