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Quase envergonhado, afinal inaugurou-se o propalado processo de mudança. Faltou-lhe um ingrediente indispensável, tão indispensável que sua ausência pareceu a alguns como comprometedora. Sem qualquer formalidade, rito ou liturgia, com uma ostensiva aparência de rotina, o Palácio do Planalto apresentou a troika responsável não apenas pelo comando da nossa economia, mas pela alteração do seu modelo.

Dilma Rousseff não presidiu a primeira solenidade do seu segundo mandato simplesmente porque o primeiro ainda está em curso. Para evitar constrangimentos, encurtou um final melancólico e dispensou as fanfarras que abririam sua segunda presidência com a ostensiva sem-cerimônia conduzida pelo competente jornalista Thomas Traumann, ministro-chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, que apresentou os nomes de Joaquim Levy, Nelson Barbosa e Alexandre Tombini – respectivamente ministros da Fazenda, do Planejamento e presidente do Banco Central. Em seguida, entregou-os ao escrutínio da imprensa.

Na aparência descuidado, o formato foi cuidadosamente preparado para disfarçar a drástica guinada e o seu subproduto mais desconfortável – o reconhecimento de que uma das mais substantivas promessas eleitorais está esquecida. Haverá controle de gastos, apertos, enxugamentos, haverá intervenções ortodoxas no laissez-faire vigente, haverá responsabilidade fiscal e controle da inflação.

O ministro Gilberto Carvalho, que em breve deixará a Secretaria-Geral da Presidência, com a sua proverbial espontaneidade ofereceu uma versão extremamente criativa para justificar a escolha do novo ministro da Fazenda: Levy aderiu à política do PT. Não explicou a qual PT se referia. Na verdade, deu-se exatamente o contrário: o governo afinal reconheceu que a errática política econômica era equivocada. Não por culpa do ministro Guido Mantega (o mais longevo da pasta), mas dos que o obrigaram a esquecer o que sabe e adotar um receituário de curtíssimo prazo, contraditório, destinado a agradar marqueteiros e produzir resultados eleitorais.

Depois do desgaste sofrido ao longo de uma interminável e virulenta campanha eleitoral, a presidente Dilma está sendo submetida a um rigoroso regime em matéria de autoestima imposto pelas circunstâncias, entre elas a lealdade àquele que já se prepara para sucedê-la: seu antecessor, o ex-presidente Lula.

A reeleita endossou a lamentável tática da "desconstrução" dos adversários – que, no íntimo, certamente abominava – e, agora, para não ser vitimada pela máquina que deixou acionar, será obrigada a protagonizar um gigantesco faz-de-conta, prenhe de eufemismos, duplos sentidos e ambiguidades. Manhosas raposas políticas teriam dificuldade em aceitar a espinhosa missão, a disciplinada tarefeira terá de aceitá-la.

Como se não bastasse a gelatinosa situação, paira a imponderável rede de malfeitorias por enquanto restrita à Petrobras, mas dotada de um incomensurável potencial de fragmentação e aderência. A sociedade brasileira não quer outro show forense, cansou das togas e maneirismos judiciais. Nem sequer exigiu um nome para a operação: "petrolão" não colou; contenta-se com o pouco inspirado e incrivelmente efetivo Lava Jato.

Com sofreguidão, o cidadão quer conhecer o montante desviado, os meandros que percorreu, onde está escondido, quando voltará aos cofres públicos, quem são os cúmplices, quais os beneficiários.

O discreto início na quinta-feira sugere um mandato prenhe de informalidades, subentendidos, pressa, com muitas revelações e, por falta de opção, transparente. Merece toda solidariedade.

Alberto Dines é jornalista.

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