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A estiagem de 2006 em Curitiba fez aparecer algumas peças do quebra-cabeças metropolitano. Uma das menos conhecidas é o Parque Estadual da Serra da Baitaca, em Quatro Barras e Piraquara. Criado em 2002 por decreto estadual, o parque deveria ter sido desapropriado e entregue ao estado como compensação pelo impacto do Contorno Leste da BR-116, obra do Dnit que tirou o tráfego pesado de Curitiba e aproximou-o da serra. A obra foi feita e liberada, mas a compensação não veio e a dívida com o Paraná persiste.

Instituições não-governamentais e empresas ligadas à Serra do Mar financiaram um estudo sobre o parque e descobriram algumas coisas. O parque é peça-chave no abastecimento público. Duas represas em funcionamento (Piraquara 1 e Iraí) e mais uma em construção (Piraquara 2) recebem água da região. Algumas nascentes abastecem a represa do Capivari. A área do parque foi decretada zona bloqueada para mineração, mas as mineradoras vizinhas apresentam, segundo a Mineropar, alta sonegação da produção e, conseqüentemente, de impostos recolhidos, o que concentra a renda na mão de poucos e degrada o ambiente para todos. As mineradoras estão nas nascentes, fora do parque, mas no caminho da represa do Iraí. Por outro lado, mineram um produto essencial para o crescimento urbano: a pedra brita.

As mineradoras ajudam a tocar a economia de Quatro Barras, típica cidade de interior que paga o preço de ser vizinha da metrópole. Uma das tradições locais é a subida anual ao morro Anhangava, cume do parque, para uma missa campal. Anos atrás a missa se resumia a 100 romeiros que subiam para um terço. Não incomodavam ninguém. Nos últimos anos a prefeitura incluiu o evento no calendário turístico municipal e a mídia explorou o acontecimento. Resultado: uma explosão de gente e conflito garantido com órgãos ambientais. De um lado políticos locais afrontando o governo do estado, degradação em áreas sensíveis de montanhas e riscos assustadores de acidentes. De outro, o estado impondo multas e proibições e colocando a população potencialmente favorável ao parque em posição inamistosa. As negociações são difíceis pois o parque só está no papel.

O próprio estado gerou um projeto polêmico na região, a revitalização turística do caminho histórico do Itupava. O programa Pró-Atlântica investiu um milhão de reais de forma pouco comprometida com o futuro do caminho, do parque ou da população local. O projeto poderia catalizar interesses para o parque, integrando a população e rompendo a letargia do turismo como fonte de renda em contraposição à mineração. Poderia agregar e incrementar projetos das ONGs que atuam no local e fortalecer a estrutura física do estado na área. Entretanto, o projeto foi um futuro que ficou no passado. Praticamente ignorou as ONGs, foi indiferente com a população que desconheceu o projeto (a quem limitou-se a apresentações formais), além de não deixar para o estado todas as obras prometidas.

A visitação do caminho foi incrementada com a propaganda, obrigando o IAP a pôr o pé na área, de forma voluntariosa, mas improvisada, em um trailer e em uma casa alugada. O Corpo de Socorro em Montanha relatou dois acidentes com mortes, em janeiro e fevereiro. Com tudo isto, a gestão do Itupava e do parque é, um milhão de reais depois, totalmente deficiente.

Por outro lado, algumas ações realizadas no parque já o consideram um bem coletivo digno de proteção há muito. É o caso de projetos de montanhistas que adotaram o parque e recuperam trilhas, salvam acidentados, prevêem acidentes e combatem incêndios.

A história deste parque mostra desencontros, resolução de conflitos que exigem consensos, boa vontade para o que está dando certo, humildade para os erros. Mas principalmente uma grande dívida para com o Paraná e a necessidade de espírito público por parte de quem toma as decisões.

Edson Struminski é doutor em meio ambiente e desenvolvimento e pertence à Associação Caiguava de Pesquisas.

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