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Há vários projetos de lei que se referem a obrigações que os alunos de ins­­­tituições federais de ensino superior deveriam assumir como "contra­­par­­tida" à gratui­­­dade dos cursos

Está em trâmite no Congresso Nacional o Projeto de Lei n.º 326/2011, que "institui a obrigatoriedade de prestação de serviços sociais profissionais para os recém-graduados das instituições públicas de ensino". Restrito às instituições de ensino superior mantidas pela União, caso aprovado resultará na obrigatoriedade de os respectivos alunos prestarem serviços "em interesse da sociedade e do Estado", como condição para a graduação. Seria como que um requisito extra-acadêmico para a obtenção do título decorrente da conclusão do curso. Em que pese a boa intenção que parece instruir o projeto, fato é que seu debate exige maiores reflexões.

Em primeiro lugar, note-se que não se trata de novidade no Congresso Nacional. Existem ao menos dez outros projetos que tratam do tema – alguns restritos a determinadas profissões (como o PL 2.598/2007 que se reporta aos cursos de Medicina, Odontologia, Enfermagem, Farmácia, Nutrição, Fonoaudiologia, Fisioterapia, Psicologia e Terapia Ocupacional), outros que estabelecem "bancos de profissionais" (como o PL 3.265/2008), enquanto que um deles condiciona a concessão de bolsas em programas de residência médica ao cumprimento de serviços sociais (PL 4.474/2008). Enfim, há vários projetos que se referem a obrigações que os alunos de instituições federais de ensino superior deveriam assumir como "contrapartida" à gratuidade dos cursos.

Porém qual é a finalidade do ensino superior gratuito? É a de gerar benefícios sociais cujos custos não são arcados pelas respectivas instituições de ensino (leia-se: pelos tributos). Por analogia, pense-se nas campanhas de vacinação pública: o contribuinte financia as vacinas sem discriminar os indivíduos – pobres e ricos, todos têm o direito (e o dever) de se vacinar. Mas qual é o principal objetivo dessas campanhas? Não é o de fazer com que o inoculado diminua as chances de contrair a doença, mas sim o de prevenir a sua propagação e impedir que toda a sociedade a desenvolva. O interesse não é privado, mas público. Voltando-se ao ensino superior gratuito, o que está em jogo não é a riqueza ou a pobreza dos alunos, nem tampouco o custo dos cursos, mas sim as vantagens que toda a sociedade pode perceber caso haja grande número de graduados. O interesse público é o de incentivar o estudo e promover o desenvolvimento por meio da formação de quadros aptos a disseminar conhecimento a todo o tecido social. Tal como o estagiário – cujo chefe financia os concorrentes, ao treiná-lo e ensiná-lo a dominar a respectiva profissão – o ensino superior presta-se a gerar benefícios sociais para além das fronteiras das faculdades. Daí o porquê de o contribuinte o financiar (daí também a necessidade de especial comprometimento de alunos e professores).

Por outro lado, a institucionalização do "serviço social obrigatório", sobre ser antipática a técnica de "socialização forçosa", implicará a criação de custos públicos ainda maiores. Afinal, haverá as respectivas unidades acadêmicas; as reformas curriculares; o desenvolvimento de projetos; a criação de cargos e salários; a contratação de novos professores e, last but not least, a remuneração dos estudantes que serão constrangidos a prestar o respectivo "serviço social". Aqui, inverte-se a lógica: serão remunerados ricos e pobres, para prestar o serviço.

Por fim, o projeto parece inserir objetivos extraordinários como requisito para a obtenção do grau acadêmico. O que gera outros problemas: afinal, qual seria a carga horária de tais serviços sociais obrigatórios? Equivalentes em todos os cursos? Haveria avaliação, notas e eventual reprovação – ou seria apenas o cumprimento de tarefas? O que se daria com o aluno que desejasse ingressar em programas de mestrado? Mais ainda: como condicionar o grau acadêmico à execução de tarefas extra-acadêmicas? Tudo, ao que se pode inferir, razoavelmente custoso e complicado.

O assunto, portanto, merece ser posto a debate. Não há dúvida de que os alunos do ensino superior gratuito têm uma dívida para com a sociedade, que em muito deve honrá-los e que não podem se cansar de pagá-la. Mas será que a obrigatoriedade da prestação de um serviço social que gere novos custos públicos é mesmo a melhor forma de pagar esta dívida?

Egon Bockmann Moreira, advogado, doutor em Direito, é professor da Faculdade de Direito da UFPR.

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