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"Todo brasileiro é técnico de futebol." O ditado de sabedoria popular, lembrado intensamente quando o país participa da Copa do Mundo, tem expressivas frases e qualificados intérpretes para comprová-lo. João Saldanha, técnico da seleção de 1969, conhecida como "as feras de Saldanha", rejeitou a imposição que teria sido feita pelo presidente Médici: "Quando ele formou o seu gabinete, não me consultou; de modo que, para formar o meu time, não preciso perguntar a ele". A euforia com a conquista de 1958, na Suécia, fez o presidente Juscelino telefonar para João Havelange, presidente da Confederação Brasileira de Desportos (CBD), afirmando e perguntando: "Durante a Copa substituí vários ministros e não houve uma única palavra a respeito nos jornais. Estou pensando em fazer novas mudanças em futuro próximo. Quando será a outra Copa?". Um diálogo de autoridades do mesmo porte ocorreu em 1962. Ao se despedir dos atletas que foram ao Chile, João Goulart proclamou: "Façam de tudo porque neste ano a vitória de vocês é mais importante que toda a safra de grãos". Mas ao pretender escalar o time, recebeu um tranco de Havelange: "Tudo bem, Jango. Acredito plenamente que você sabe tudo sobre futebol. Neste caso, porque não fazemos uma troca? Você renuncia ao cargo de presidente e vai ser treinador do time". Em 2002 foi a vez de Fernando Henrique Cardoso: "Só quero ver o resultado da convocação, se vai dar Romário. Eu sou Romário". Ao que o técnico Felipão – dom Felipe, novo rei de Portugal – revidou: "Ele é mais um dos 170 milhões de técnicos brasileiros".

E agora, como fica o presidente Lula, que em teleconferência com o treinador Parreira antes do primeiro jogo e de grande repercussão no país e no exterior, sugeriu a dispensa de Ronaldo, o Fenômeno, com a insinuação de que está "muito gordo"?

São momentos que envolvem o povo e ficam na história. Entre todas as modalidades desportivas, o futebol é a mais fácil de ser entendida. Até por crianças. Está certo o filósofo Nenê Prancha, "Futebol é muito simples: quem tem a bola ataca; quem não tem, defende".

Tal simplicidade, que desafia os milhões de técnicos e se converte em dúvidas profundas nas intermináveis discussões de comentaristas de rádio e televisão, tem um singelo objeto de uso e movimento: a bola. Armando Nogueira a define como "o brinquedo mágico que se submete suavemente à vontade do homem". Com seu estilo admirável, Nelson Rodrigues arremata: "Só o jogador medíocre solta a bola de primeira. O craque, o virtuose, o estilista, prende a bola. Sim, ele cultiva a bola como uma orquídea de luxo". E falando sobre algo aparentemente inanimado, o melhor jogador do mundo confessou: "Se eu pudesse, me chamaria Edson Arantes do Nascimento Bola. Seria a única maneira de agradecer o que ela fez por mim" (1974).

Outro símbolo permanente da cultura nacional futebolística é a camisa. "Suar a camisa" e "vestir a camisa do time" são expressões de força cívica que traduzem a fidelidade e o esforço reunidos para a vitória. Ernani Buchmann, publicitário e membro da Academia Paranaense de Letras, está lançando um livro sedutor: "A camisa de ouro". O trabalho recompõe, em palavras e imagens, a tradição dessa peça do vestuário da seleção brasileira desde 1914 e marca a edição comemorativa do primeiro ano da agência Getz Comunicação. Os modelos e as cores das camisas são reproduzidos com indicações e detalhes precisos, constituindo um setor próprio no mural histórico do desporto nacional e uma referência de fraternidade universal. O valioso livro registra em sua apresentação: "Não há, no mundo do futebol, camisa mais admirada, mais procurada do que a da Seleção Brasileira. Da Antártida ao Monte Everest, dos mares aos desertos, sempre será possível encontrar alguém vestindo a camisa amarela. Graças às conquistas da seleção, ao brilho dos craques brasileiros, ela se tornou o maior símbolo da identidade nacional".

Disse muito bem o imortal Nelson Rodrigues: "O escrete é a pátria em calções e chuteiras".

René Ariel Dotti é advogado e professor universitário, foi membro do Tribunal de Justiça Desportiva do Paraná.

rene.dotti@onda.com.br

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