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“Quero curar meu coração partido sendo biscate e contigo já não dá mais”. Foi isso que ouvi quando perguntei o que estava acontecendo e pedi sinceridade. A sinceridade veio, mas, o que fazer com ela?

Confesso que não soube o que fazer. Levantei, andei pela casa, com a mão suando, fumei dois cigarros em sequência e comecei a eterna luta moderna da mudança de status: online, digitando…; online, digitando…; online, digitando... Para minha sorte – e da moça –, parei na fase online e consegui segurar, por um fiapo de consciência, o trem descarrilhado da psique. Afinal, ‘pedi recebereis, procurar e lhes será dado’. Ela foi sincera, como nunca tinha visto ser, qual o mal nisso?

Costumamos pregar sinceridade em todos os momentos, como aqueles senhores que ficam com a Bíblia em punho gritando que o Apocalipse está dobrando a esquina. Rejeitamos, com frequência, pessoas que se mostram falsas. Ninguém quer ser chamado de mentiroso. Buscamos nos inspirar nos grandes “pensadores da paz”, que com aquela cara meio blasé, parecem ter aprendido a superar essa vida mesquinha e mentirosa que levamos. Tentamos ser como eles das mais variadas formas. Selfie fazendo yoga, você sabe do que eu estou falando!

Porém, a sinceridade que exigimos talvez não seja exatamente o que queremos e, paradoxalmente, não somos sinceros nem quando pedimos sinceridade. Pedir sinceridade, frequentemente, significa, na verdade, dizer: “vamos conversar a sério, mas me diga algo que faça eu ter razão”. Então é aqui que mora o problema, pois não raro, após o momento ‘cartas na mesa’, nossos piores sentimentos vem à tona para provar, mais uma vez, que o mentiroso não “somos nozes”. Depois de depor a Consciência, o Sentimento é o rei da psique: bipolar, sentado no trono, com mão de ferro julga despoticamente o que vê pela frente e muda de opinião como quem muda de canal.

A verdade é que a dose de verdade que estamos acostumados a suportar é bastante maleável. Como este novo rei nunca para, trabalhando a todo vapor, fazendo turnos extras de madrugada – enquanto nossa consciência costuma estar exilada no mundo das especulações metafísicas–, o que costuma acontecer é desastroso: nossos desejos e atos acompanham nossos sentimentos, sendo guiados e interpretados também por eles. O mal, então, é ser contrariado nesse mar de pequenos mimos que exigimos constantemente. O castelo sólido de pedras construído pela Consciência foi substituído pelo frágil castelinho de cartas do Sentimento. Qualquer alteração o derruba.

Para que a sinceridade alheia não impressione tanto, é preciso por o novo rei à prova, sendo mais sincero consigo. É duro mas necessário, pois sinceridade conveniente não é sinceridade de forma alguma.

João Paulo Borgonhoni é professor d’A Grande Escola e psicólogo clínico (CRP 08/17582).
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