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Dar um sentido para a vida em nome do futuro incerto de uma causa política ou dedicar a vida por completo a uma fé religiosa, qualquer que seja, para garantir uma suposta boa vida eterna para nossa alma não é mais que negar a vida por temer a morte

"Deve-se aprender a viver por toda a vida e, por mais que tu talvez te espantes, a vida toda é um aprender a morrer." (Sêneca)

A imensa maioria dos homens vive como se a vida fosse uma grande sala de espera de uma poderosa autoridade chamada morte.

Na sala de espera procuramos diversões para matar o tempo: palavras cruzadas, joguinhos de computador, esportes, salões de beleza, bebidas, festas e prazeres sensoriais diversos. Tudo para esquecer que uma hora seremos recebidos pela autoridade.

Não sou tolo para condenar os prazeres do amor, do sexo, dos esportes, da boa mesa e do vinho. Condeno, sim, o homem cuja vida se resume em buscar esses prazeres. Este não é senhor, mas simples escravo e não difere muito do viciado em drogas mais pesadas.

O êxtase nunca foi, e nunca será, substituto à altura para a consciência.

Quando os jogos e os prazeres não são suficientes para abafar nossa angústia sempre latente, que deriva do fato de sermos únicos e mortais, buscamos outras saídas.

Alguns se entregam por inteiro, de corpo e alma, às religiões; outros dissolvem seu ego nas grandes causas políticas ou empresariais.

Há poucos séculos, muitos queriam morrer nas guerras santas (al­­guns ainda querem), e mesmo no século passado o comunismo, o nazismo e muitos outros "ismos" serviram de ópio para milhões de seres humanos.

Dar um sentido para a vida em nome do futuro incerto de uma causa política ou dedicar a vida por completo a uma fé religiosa, qualquer que seja, para garantir uma suposta boa vida eterna para nossa alma não é mais que negar a vida por temer a morte.

Não estou condenando a prática religiosa ou política. Antes, estou condenando a substituição da razão pela fé e a substituição da consciência do indivíduo único pela ideologia das massas que seguem gurus, terceirizando sua capacidade de pensar por conta própria.

De novo Sêneca me socorre para bem descrever a sala de espera (vida?) dos que querem ignorar o inevitável encontro com a poderosa autoridade. Diz ele: "Não gozam do ócio aqueles cujos prazeres trazem muitas ocupações. Pois ninguém duvidará que muitos se fadigam sem nada obrar (...). Dentre todos os homens, somente são ociosos os que estão disponíveis para a sabedoria (...). Jumentos laboriosos são mais aptos a carregar fardos do que cavalos de raça".

Para Sêneca, o ócio não significava afogar o caráter e o espírito nos prazeres caros à multidão; antes, o ócio significava tempo dedicado a alcançar a sabedoria e a paz que só ela pode trazer, nesta ou em qualquer outra vida que possa existir.

Parar, dar um basta nos eternos joguinhos, no poluente ir e vir sem sentido é tarefa impossível, verdadeiro martírio para aqueles que passam pela vida sem examiná-la em profundidade, sem aprender a morrer.

Oriovisto Guimarães é membro da Academia Paranaense de Letras.

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