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No emaranhado de efemérides e cronologias com as quais convivemos, um registro nos remete ao Vesúvio e à destruição de Pompeia, na Baía de Nápoles. Em 24 de agosto, há 1.935 anos, a bela e rica cidade mediterrânea e sua vizinha Herculaneum foram rapidamente soterradas pela lava e cinzas produzidas pelo vulcão. Pompeia, a cidade petrificada, e o Vesúvio, a montanha vingativa, tornaram-se símbolos do inesperado, dos tumultos e rupturas subterrâneas, da tênue fronteira entre o pulsar da vida e o fragor da destruição.

Nossa formação geológica nos livrou de irrupções vulcânicas e terremotos, mas nossa história sugere um conjunto de convulsões escondidas e fúrias encobertas. É conhecido o teor explosivo das nossas contradições; novidade é o número de pavios acesos. E a portentosa incapacidade para apagá-los. O script parecia impecável e infalível, seu único defeito foi o de não contemplar a possibilidade de erros.

Desprezados os estalos e roncos de advertência – os últimos foram em junho passado –, estamos em terreno absolutamente desconhecido e diante de circunstâncias imponderáveis – sem qualquer experiência em matéria vulcanológica. O perigo maior não está no inevitável encadeamento do evento máximo – a Copa do Mundo – com a eleição presidencial.

A demoníaca convicção de que Deus é brasileiro e torcedor da seleção canarinho vai nos empurrando para improvisações cada vez mais toscas e patéticas. Resultou no mínimo melancólico o bem-intencionado encontro do secretário-geral da Presidência, ministro Gilberto Carvalho, com os movimentos sociais para "vender" os benefícios do Mundial de futebol nesta quinta-feira. O infatigável Faz-Tudo da presidente Dilma reconheceu que o governo começou tarde o diálogo com a sociedade. Mas a esta altura, a 50 dias de a bola rolar no gramado, e no atual clima de tensões, este reconhecimento só poderia funcionar como bumerangue. O tal seminário foi desastroso, gol contra.

Governo e oposição estão metidos num encarniçado Fla-Flu, esquecidos do inimigo comum: a Grande Delinquência, a S.A. Crime Organizado, hoje mancomunada com corsários políticos, alguns até inseridos na base aliada.

Ainda não se sabe quem assassinou o bailarino Douglas Rafael, o DG, na favela do Pavão-Pavãozinho, no coração de Copacabana. Mas todos sabem que o clima de guerra voltou à comunidade pacificada com sucesso há quatro anos. Momentos antes da barbaridade, os traficantes atacaram os policiais da UPP e, durante o enterro, manifestantes clamavam pelo fim da política de pacificação das comunidades carentes. Quem está por trás desta cruzada?

Não é a população carente de transportes públicos a responsável pelo incêndio simultâneo de 30 ônibus, na Grande São Paulo. Se a imprensa não consegue detectar tais indícios, o perigo é ainda maior.

Não é a direita entreguista ou a esquerda aparelhada que estão arruinando a Petrobras. A governabilidade do país está sendo corroída por um sectarismo ideológico, insano, claramente antropofágico que não nos permite fazer uma frente comum contra os agentes da ilegalidade e garantir a tranquilidade do processo sucessório.

A 30 anos da eufórica e uníssona empreitada das Diretas Já, ainda não aprendemos os rudimentos do diálogo político. O repúdio geral à ditadura instaurada em 1964 não conseguiu materializar um núcleo elementar de convivência e coabitação.

O Vesúvio que poderá nos soterrar – a todos, sem exceção – já está fumegando, espirrando cinzas. Lânguida, despreocupada, a emergente Pompeia gozava seu último verão no ano de 79 da Era Comum.

Alberto Dines é jornalista.

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