Com a pandemia e a regulamentação da telemedicina de forma provisória pela Portaria 467/2020 do Ministério da Saúde, os teleatendimentos se tornaram uma realidade em todas as instâncias| Foto: Pixabay
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Um relatório da Unesco divulgado em 15 abril de 2020 projetou os impactos da pandemia de Covid-19 nas saúdes física e mental das crianças ao redor do mundo. Segundo os relatores, todos os avanços alcançados nos últimos dois a três anos em termos de acesso à saúde e redução de morbimortalidade, bem como educação, imunizações e proteção à saúde mental, seriam perdidos em um ano de pandemia, especialmente nos países mais vulneráveis.

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A explicação para esta projeção alarmante pode parecer óbvia, mas vale uma reflexão. O olhar da saúde em 2020 e 2021 voltou-se aos doentes da Covid-19, sendo estes predominantemente adultos e idosos. E não poderia ser diferente: o Brasil é o terceiro país do mundo em número de infectados e o segundo em número de mortos. Crianças e adolescentes, por sua vez, sofrem de forma secundária com a desestruturação dos serviços de saúde superlotados, das escolas fechadas e de recursos públicos realocados.

Acompanhamentos regulares de pacientes com doenças crônicas sofreram forte impacto durante o período pandêmico, como resultado da dificuldade de acesso e restrição a consultas presenciais – o que, por sua vez, acarretou dificuldade de prevenção de piora clínica e um controle menos rigoroso destes pacientes. Adicionalmente, aqueles que adoecem de outras enfermidades que não a Covid-19 têm igual dificuldade no acesso a serviços de saúde, com importante retardo no diagnóstico de doenças graves, incluindo neoplasias. Crianças saudáveis, por sua vez, passam a apresentar atraso no calendário vacinal e falhas no seu acompanhamento rotineiro, com a insurgência de doenças preveníveis como anemias carenciais e desnutrição.

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Porém, antes mesmo da explosão de casos no Brasil, os sistemas de saúde público e privado já olhavam a telemedicina como um recurso importante para o delineamento de fluxos assistenciais mais inteligentes, visando a equidade de acesso e a transposição de barreiras geográficas em locais mais remotos ou privados de recursos especializados. Com a pandemia e a regulamentação da telemedicina de forma provisória pela Portaria 467/2020 do Ministério da Saúde, os teleatendimentos se tornaram uma realidade em todas as instâncias.

Por sua versatilidade e praticidade, bem como capacidade de resolução de casos simples e triagem de casos com necessidade de priorização, a telemedicina abre uma porta de entrada para pacientes antes negligenciados, bem como prioriza doentes a serviços sobrecarregados que necessitam de um refinamento, buscando utilizar os recursos de forma inteligente e equânime.

A telemedicina não é, no entanto, uma solução que opera de forma isolada. Ela se ampara nas redes de saúde como um todo, com necessidade de pontos para atendimento presencial, sejam estes ambulatoriais ou hospitalares. O método, aliás, não substitui a consulta presencial; o atendimento híbrido (presencial e a distância) deve ser estimulado e pode funcionar como uma estratégia importante em contextos específicos, tanto nos mais básicos quanto nos mais especializados. Citamos alguns: monitoramento de pacientes em regime de desospitalização precoce, monitoramento de pacientes em regime de internamento domiciliar (hospital at home), consultas de rotina para pacientes com doenças crônicas e estabilidade clínica, resolução de queixas agudas não complexas, monitoramento de pacientes que iniciaram novo tratamento, checagem de exames, entre outros.

Adicionalmente, os dispositivos móveis de telemedicina surgem como uma ferramenta para refinar o método telepropedêutico, transpondo parcialmente algumas barreiras importantes, como por exemplo, a realização de exame físico. Dentre os dispositivos hoje disponíveis no mercado, o Hospital Pequeno Príncipe, em parceria com o Hospital Infantil Sabará e a startup Tuinda Care, estão desenvolvendo um estudo clínico para avaliação e incorporação do dispositivo TytoCare.

O Tyto é uma ferramenta móvel de telemedicina com capacidade de captação e transmissão de dados de exame físico, como temperatura corporal, otoscopia, oroscopia, exame dermatológico simples e auscultas cardíaca e pulmonar. O estudo em questão visa comparar o uso do dispositivo em uma teleinterconsulta entre um médico inexperiente e um pediatra ao método tradicional de atendimento presencial. Busca-se, dessa forma, o desenvolvimento de um método de exame físico guiado a distância, com precisão e segurança. A pesquisa serve ainda como uma plataforma de treinamento para médicos residentes iniciando seu treinamento em pediatria, proporcionando um momento de aprendizado e trocas em tempo real, com um exame físico compartilhado com o seu preceptor remotamente alocado.

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A medicina sempre foi uma área de conhecimento e atuação que impulsionou a ciência e a tecnologia em prol do desenvolvimento humano. Portanto, a incorporação de novos métodos tecnológicos com o mesmo rigor técnico e científico deve marcar mais essa transformação histórica. Além disso, o olhar humanizado e a equidade do cuidado precisam ser objetivos também da nova medicina informatizada. Algoritmos, inteligência artificial, dispositivos portáteis e simuladores são capazes de melhorar a técnica e a qualidade da medicina praticada, apenas quando aliadas a um fator humanístico igualmente qualificado. Afinal, cuidar não é apenas tratar ou diagnosticar.

É, portanto, nossa responsabilidade democratizar o acesso à telemedicina, bem como entender suas aplicações, visando a segurança do paciente e a integralidade de seu cuidado, para desta forma reduzirmos distâncias com responsabilidade.

*Rafaela Wagner é coordenadora médica do Serviço de Telessaúde do Hospital Pequeno Príncipe (Curitiba). Rogério Carballo Afonso é gerente de Novos Negócios e Telemedicina do Sabará Hospital Infantil (São Paulo).

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]