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| Foto: Robson Vilalba/Thapcom

Darcy Ribeiro, em uma de suas muitas reflexões sobre o Brasil, escreveu: “A crise na educação do país não é uma crise, mas um projeto”. O antropólogo fundador da Universidade de Brasília (UnB) não viveu o suficiente para assistir a este projeto tornar-se concreto e destrutivo.

Em trâmite nas mais variadas cidades brasileiras, projetos que muito se assemelham ao chamado “Escola Sem Partido” vêm tirando o sono de educadores e intelectuais. Apesar do senador Magno Malta (PR-ES) ter retirado de tramitação o projeto (de sua autoria) que propunha incluir nas bases da educação nacional tal programa, o fogo já se espalhou como uma centelha ardente em um terreno seco. Outros projetos semelhantes, tanto na Câmara Federal como em Câmaras Municipais e Assembleias Legislativas, tramitam de forma veloz.

O programa “Escola Sem Partido” nasce do pulsante reacionarismo dos últimos anos que grassa na política nacional. O seu discurso é o de que “comunistas” e “esquerdopatas” estariam “infiltrados” nas salas de aula com o intuito de inculcar projetos e ideias subversivas e imorais em nossas crianças e jovens. Como se vivêssemos nos velhos tempos de Guerra Fria.

O programa “Escola Sem Partido” nasce do pulsante reacionarismo dos últimos anos

Estes senhores e senhoras apontam educadores e intelectuais progressistas como “congelados no tempo”, quando ainda vivem sob uma constante “revolta comunista-soviética”, (para não atualizarmos “lulista” ou “gayzista” neste palavrão), lá dos idos do século passado. Seria cômico, se não fosse trágico.

Discutir política nas escolas? Estes políticos tremem de medo. Contradições à parte, o que essa gente teme?

Desafio os seus adeptos a dar uma aula sobre a sublevação do Senado romano contra o imperador Júlio César e não citar subversões e conspirações políticas; conflitos religiosos e diplomáticos entre pontífices romanos e reis medievais sem debater tratados dos mais diversos; ou mesmo as greves deflagradas pelas bases trabalhadoras brasileiras ainda no período ditatorial, sem explanar com profundidade conflitos trabalhistas e a relação entre capital e trabalho.

Não se discutirá mais ideologia? Como entender o nazismo, os fascismos, comunismos, o catolicismo e tantas ideias e doutrinas que constituíram – e constituem – a história do mundo? Serão os professores censurados? Existe professor sem opinião? Existe neutralidade? Em que mundo estes senhores e senhoras (de partidos cristãos conservadores jurássicos) vivem?

Outro lado:  Verdades, mentiras e espantalhos (artigo de Miguel Nagib, coordenador do Escola sem Partido)

Em Curitiba, a Gazeta do Povo noticiou, em dezembro de 2017, a ocorrência de um terceiro parecer contrário ao projeto que tramita na Câmara, de autoria do vereador Professor Euler (PSD), mais por questões técnicas que ideológicas. Nesse ínterim, nada mais prudente que movimentos estudantis e agremiações acadêmicas, juntamente com intelectuais e educadores paranaenses, se mobilizarem contra tal abominação.

A cruenta verdade é que esses sujeitos temem a crítica e o debate sério. Temem que alunos comecem a questionar por quais razões ainda vivem em um país rachado por um abismo social gigantesco. Que questionem por quais razões, muitas vezes, seus pais não conseguem pagar o aluguel no fim do mês – e estranhem que, lá no horizonte, mansões e palacetes se ergam imponentes. Temem que se interessem pela República em que vivem (pela coisa pública como um todo) e que a cada dia é esfolada viva.

Finalmente, que se enraiveçam com a inércia de seus representantes e seus privilégios coloniais, e que um processo libertador como o que propôs Paulo Freire, em que o educador detém o poder de “armá-los contra a força dos irracionalismos”, possa finalmente vir à tona. Por isso, o desejo salivante pela mordaça em sala de aula. O temor pela iluminação, democracia e emancipação popular. Por isso a existência de um projeto sombrio como o “Escola Sem Partido”.

Luís Felipe Machado de Genaro é professor, historiador e mestrando em História.
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