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Jovem brasileiro já tinha perdido renda no trabalho e a Covid-19 pode aumentar o problema
.| Foto: Mauro Pimentel/AFP

A Medida Provisória 927 de 22 de março de 2020, foi o primeiro ato normativo publicado pelo Governo Federal, com a finalidade de oferecer alternativas concretas para preservação do emprego e da renda dos trabalhadores brasileiros, em razão da necessidade de isolamento social criada pela pandemia da Covid-19.

Seu prazo inicial de vigência de 60 dias foi prorrogado pelo Congresso Nacional através do Ato 32/2020, que garantiu o acréscimo de outros 60 dias àquele prazo de aplicabilidade, o qual terá como termo final a data deste dia 19 de julho.

Embora a MP 927/2020 tenha gerado a edição do Projeto de Lei de Conversão 18/2020, no último dia 15, em sessão remota, o Presidente do Senado optou pela retirada do tema da pauta, diante da ausência de consenso entre os senadores quanto a possibilidade de serem definitivamente incorporadas à Ordem Jurídica - ainda que com vigência restrita ao período de pandemia de Covid-19 - as inovações propugnadas pela MP em questão.

Com a manobra adotada pelo Senado Federal, a MP 927/2020 perderá sua força cogente neste 19 de julho, na forma do artigo 62, § 3º, da Constituição Federal.

Logo, parece pertinente questionar: quais os reflexos desse fato sobre as relações de emprego atuais?

1) A possibilidade de se adotar o trabalho em regime domiciliar (teletrabalho) passa a ser regida pelas disposições contidas no artigo 75-A e seguintes da CLT, que preveem condições diferenciadas para adoção dessa modalidade contratual, bem como, para o retorno dos empregados ao exercício das atividades profissionais na sede da empresa.

Ainda, pode haver controvérsia sobre a possibilidade de se manter aprendizes e estagiários executando atividades profissionais em regime domiciliar, já que as leis específicas que tutelam essas modalidades específicas de contrato não preveem tal condição. No particular, a manifestação do Ministério Público do Trabalho e da SRTE, por meio de suas Notas Orientativas, será essencial para conferir maior segurança às medidas adotadas.

2) Com relação às férias individuais, fica restabelecido o prazo mínimo de comunicação prévia de 30 (trinta) dias, para concessão do período de descanso anual, na forma do artigo 135, da CLT. Deixa de existir a base jurídica que permitia a antecipação dos períodos de férias individuais, passando a viger a necessidade de estrita observância dos períodos aquisitivos e concessivos previstos em lei.

Volta a vigorar o prazo para pagamento das férias individuais, devendo as mesmas serem pagas no prazo máximo de dois dias antes do início de seu gozo. Ficam restabelecidas as regras que regem a possibilidade de tripartição das férias, cuja adoção, além de exigir expressa anuência do emprego, reclama a concessão de um período de férias de, pelo menos, 14 dias.

Está excluída a possibilidade de interrupção de férias e licenças não remuneradas concedidas aos profissionais da saúde.

A concessão de férias coletivas, no que se refere a prazos de concessão e pagamento, além da comunicação das autoridades competentes e do Sindicato de Classe, deverão observar os regramentos da CLT.

3) Com relação ao aproveitamento de antecipação de feriados, tem-se que essa antecipação deverá ser limitada aos períodos de descanso remunerado (feriados) ocorridos na vigência da MP 927, ou seja, até 19/07/2020.

Em outras palavras, em interpretação mais conservadora, ainda que tenha sido acordado individualmente a antecipação de feriados que ocorreriam depois de 19/07/2020, no particular, essa pactuação deverá ser desconsiderada, pela ausência de base legal, ao tempo do feriado, para justificar o trabalho nesses dias.

4) Já no que se refere ao banco de horas, temos que os reflexos decorrentes da extrapolação do prazo de vigência da MP 927 são bastante significativos. Em relação ao tema, volta a vigorar a previsão da CLT, no sentido de que as negociações coletivas se sobrepõem à lei e, naturalmente, aos acordos individuais celebrados.

Logo, havendo previsão convencional exigindo a negociação coletiva para instituição do banco de horas, temos que esse pressuposto será restabelecido a partir de 19 de julho de 2020. Da mesma forma, os critérios para computo de horas em crédito e débito; os adicionais a serem observados por ocasião do pagamento de horas extras; e eventuais proibições para labor em domingos e feriados; deverão  ser observados pelas empresas, dada a indispensabilidade do banco de horas estar afinado às normativas insertas em eventuais Convenções Coletivas e/ou Acordos Coletivos de Trabalho vigentes.

Ainda, para a instituição de banco de horas por termo individual, fica restabelecido o prazo máximo para compensação de jornadas em seis meses. Já os bancos de horas embasados em negociação coletiva, deverão observar os prazos máximos de compensação previstos nos respectivos instrumentos.

5) Ficam completamente restabelecidas as exigências em Segurança e Medicina do Trabalho, incluindo aí os prazos para realização de exames periódicos e admissionais, além dos prazos de início e conclusão para constituição da Cipa.

6) Deixa de existir embasamento jurídico que permita o elastecimento de jornadas 12 x 36 dos profissionais da área da saúde, bem como, que impeça a caracterização de infração administrativa, pela violação do intervalo entre uma jornada e outra, na hipótese de adoção de escalas de 24 horas.

Também excluiu-se a possibilidade de adoção de banco de horas que permita a compensação de jornada nos 18 meses que sucederem aos encerramento do estado de calamidade pública.

7) Ficam excluídas as disposições que permitiam a prorrogação de acordos e convenções coletivas, a critério exclusivo do empregador, pelo prazo de 90 (noventa) dias.

Os atos praticados com base nas disposições da MP 927/2020, ficam convalidados em relação ao período em que referido ato normativo esteve em vigor, sendo aconselhável a repactuação de condições que se estendam no tempo, para adequá-las às CCTs e ACTs vigentes, bem como, aos próprios termos da CLT.

Cassiana de Aben-Athar Pires Gomes e Michely Furlan Marfurte são advogadas.

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