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É significativo que dois dos três maiores heróis do nosso tempo – Martin Luther King e Nelson Mandela – fossem negros e o terceiro, o Mahatma Gandhi, indiano. Nenhum era europeu ou representativo do topo da civilização ocidental, entidade cuja realidade Gandhi pôs em dúvida ao comentar que teria sido uma boa ideia...

O que têm eles em comum? Todos foram encarnações do sacrifício pelos outros. King e Gandhi deram a vida; Mandela, a liberdade que sacrificou durante os 27 anos mais produtivos da existência. Por mais que nossa época secularizada rejeite o valor redentor do sofrimento, está aí a prova de que não se pode ser grande sem sofrer pelos demais.

Gandhi e King foram homens de profunda fé religiosa e abraçaram a não violência evangélica como método de ação. Mandela chegou a comandar o braço armado do Congresso Nacional Africano, mas acabou por pregar o perdão e a reconciliação como atitudes necessárias a fim de unificar e construir a nação.

Não se preocuparam com o Produto Interno Bruto, a acumulação de riqueza, o consumo exuberante de bens materiais. Nas questões de moral sexual e familiar, o comportamento deles não foi sempre perfeito. Não ganharam batalhas nem esmagaram os inimigos. Eram os tipos acabados do "profeta desarmado" que Maquiavel julgava predestinados à derrota.

Compare-se, porém, a perenidade da herança que deixaram à devastação e extermínio legados pelos profetas armados: Hitler, Stalin, Mao. Até ao próprio Churchill, que queria liquidar Gandhi a fim de garantir a quimera do Império Britânico!

Houve, é claro, pessoas iguais ou superiores na absoluta devoção aos necessitados – Madre Teresa de Calcutá, por exemplo. O diferencial deles se encontrava em outro aspecto: tendo uma atuação política, não se corromperam pelo poder, pela vaidade ou pelo dinheiro; lideraram seus povos pela força moral, também uma variante do poder, mas a que nasce do serviço, não da dominação.

Moviam-se não pela grandeza, como De Gaulle; pela glória do império, como Churchill; ou para ser a maior nação da terra, como os americanos. O que desejavam era simples e concreto: justiça e compaixão para os membros mais fracos e vulneráveis da comunidade. Na linguagem do papa Francisco, saíram todos de si próprios para mergulhar nas periferias da existência.

Embora só King fosse ministro cristão, os três compreenderam que a antilógica do Evangelho é mais eficaz que a lógica do mundo. Oferecer a outra face pode parecer loucura. Contudo, apenas quando se renuncia ao "olho por olho" é que se rompe a inelutável espiral da violência.

A destruição do domínio inglês na Índia, da segregação no sul dos EUA, do Apartheid na África do Sul foram o resultado da resistência não violenta ativa daqueles que jamais teriam força para prevalecer num confronto violento.

Desses três gigantes, só um, Mandela, chefiou um governo. Compreendeu então o que entre nós é anátema: saber abrir mão do poder e conquistar o coração dos cidadãos é melhor garantia para consolidar a obra do que a perpetuação pela reeleição permanente. Se o grão não morre, nunca dará frutos.

Rubens Ricupero, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) e ministro da Fazenda no governo Itamar Franco.

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