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bolsonaro-ligação-telefone| Foto: Isac Nóbrega/PR

“Por detrás de tudo o que flui há algo eterno e imutável que não flui: o átomo”. Pois é, Demócrito, último filósofo grego da natureza, ficaria maravilhado com as notícias do mundo de cá. Não imaginou a nanotecnologia e sua comprovação de que o átomo não é indivisível, muito menos eterno. Ele pode ser rompido por fissão nuclear e até mesmo destruído. Certo estava seu colega Heráclito ao afirmar que “tudo flui, pois na natureza as formas vão e vêm”, e isto inclui o átomo.

Demócrito não teve acesso a instrumentos de pesquisas e laboratórios, sua única ferramenta foi a razão. Pensando o distante passado e os caminhos que a humanidade trilhou até aqui, é surpreendente o que conquistamos em todas as áreas do conhecimento. Mérito da ciência que na sua história investigativa avançou para além da visão mecanicista newtoniana na direção da compreensão do que atualmente chamamos de “sistemas complexos”, ou seja, estudos e pesquisas que se caracterizam pela imprevisibilidade, pois trazem consigo dimensão mais humanizada oriunda de comportamentos coletivos emergentes.

O americano Richard Thaler, professor da Universidade de Chicago, recebeu em 2017 o Prêmio Nobel de Economia por evidenciar que, ao contrário do que os economistas clássicos consideravam categoricamente, os agentes econômicos (pessoas, famílias, empresas e Estados) não são sempre racionais. As suas escolhas são baseadas em questões subjetivas, ideológicas e culturais com maior tendência a valorizar as intenções do presente, em detrimento da cautela para o futuro. Assim, modelos econômicos com maior precisão necessitam de uma perspectiva mais comportamental para que possam transformar a realidade.

Um Estado autoritário jamais propiciaria o progresso científico e democrático que vem nos transformando até aqui

A brevíssima linha do tempo traçada traz para os dias atuais a discussão sobre os avanços em todos os campos científicos e as mudanças que as sociedades atravessam. São mudanças, por exemplo, nas perspectivas das economias dos países que veem suas matrizes produtivas obsoletas pelo rápido progresso científico. A isto se soma a mobilidade planetária das indústrias ávidas por mão de obra mais barata e incentivos fiscais.

E como entender a uberização, por muitos denominada como “Economia Compartilhada”? Sem dúvida, num plano raso, trata-se de uma revolução na prestação de serviços sob o ponto de vista de todos os atores envolvidos: o dono do serviço, o prestador, o tomador e aquele que deveria ser o regulador do serviço: o Estado. Mas este é fatalmente visto como o agente burocrático da relação.

Há quem chame de “modelos de negócios disruptivos” as transformações trazidas pelos aplicativos de transporte (Uber, Cabify), do segmento hoteleiro (Airbnb), do setor fonográfico (Spotify, Deezer). Porém, parece ser nas telecomunicações que as transformações atingem grande massa de pessoas. É tendência que seja superado o sistema de broadcasting das emissoras de TV pra o on demand via streaming. Isso significa que não haverá mais um transmissor central a enviar um conteúdo para o público assistir passivamente. O público telespectador ou radiofônico é quem escolherá o conteúdo que lhe convém assistir ou ouvir. Estão aí os podcasts, conteúdo informativo em áudio, portátil, para consumo.

As mudanças também atingem a política em seu modus operandi, principalmente pela velocidade das comunicações nos dispositivos móveis inteligentes (smartphones, tablets, relógios), cada vez mais inteligente e invasivos, com seus aplicativos de redes sociais que são verdadeiros instrumentos de influenciação. Hoje, aliás, gestores públicos “governam” pelo Twitter, despachando, dando avisos e instruções, demitindo secretários e ministros. Acima de tudo, criando muita polêmica.

É de se antever que brevemente, no âmbito do Direito Administrativo, a publicação no Twitter (o post) será elevada à categoria de ato ordinatório para as manifestações hierárquicas da Administração Pública.

Todas essas mudanças, cujo mérito ainda não está claro, impactam na dinâmica da vida social, na política, nos modos de produção, nos modelos empresariais e, sobretudo, nas relações de trabalho. Consequentemente, implicam na revisão constante dos sistemas jurídicos. Mas como fazer isto se necessitamos de segurança jurídica? Eis o grande desafio que motivou este artigo.

Por certo, não cabe mais um sistema jurídico baseado unicamente na força estatal. São múltiplas as necessidades e aspirações da sociedade, as quais farão ecoar conflitos de toda natureza. Necessário que haja legitimação social das normas jurídicas pelo seu grau de justeza amparada em valores éticos e conectadas com aspectos de socialidade, isto é, considerando o contexto da sociedade coletivamente compreendida. Desse modo, espera-se promover a superação do caráter individualista que marcou as codificações do século passado e que ainda reverberam em nossos dias.

As normas, para que deem segurança jurídica à sociedade precisam estar munidas ainda de operabilidade. Isso quer dizer que elas devem ser acessíveis e funcionar efetivamente atendendo aos anseios sociais e pacificando conflitos, sem grandes formalismos que acabam por se tornar obstáculos a sua concretude.

A ética, a socialidade e a operabilidade são marcas da recente codificação civil brasileira que impulsionam os valores sociais consagrados em nossa Constituição. São princípios que consubstanciam um sistema de “janelas abertas” permitindo constante integração e ajustes para a solução de novos problemas, revestindo as normas de caráter democrático e justo para que alcancem segurança jurídica no seio de uma sociedade dinâmica e plural, sem que percam a força coercitiva do Direito.

As transformações científicas, sociais, políticas e econômicas seguem ocorrendo, umas mais e outras menos visíveis.

Um Estado autoritário jamais propiciaria o progresso científico e democrático que vem nos transformando até aqui. Como lidar com este novo mundo e alcançar certa pacificação social é desafio urgente que não pode residir apenas na filosofia.

Jean Pierre Santiago é advogado e cientista político.

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