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A relação entre as operadoras de planos de saúde e os médicos tem sido marcada pela discórdia e pela desigualdade, o que traz prejuízos para o usuário. Os médicos estão, por isso, propondo um novo modelo de regulamentação para o setor. Os usuários dos serviços de saúde suplementar no Brasil já estão sentindo os efeitos deletérios do sistema, que prioriza o lucro e desvaloriza o trabalho dos médicos. O número cada vez menor de profissionais mais experientes, o descredenciamento de seus médicos de confiança e a queda da qualidade dos serviços são as principais conseqüências diretas para os usuários.

A condição precária da saúde pública no Brasil fez com que uma expressiva parcela da população buscasse serviços privados de saúde, fenômeno que teve início no país há mais de duas décadas. Entretanto, nos últimos dez anos pôde-se observar a fragilidade desse sistema. Com a transformação dos serviços suplementares de saúde em um negócio lucrativo e a estrita regulamentação de preços pelo governo federal, os reajustes dos valores pagos por consultas e procedimentos ficaram muito abaixo do índice da inflação em saúde, que é muito maior que a inflação geral. Ao longo dos anos, isso resultou em honorários cada vez mais baixos para a classe médica, que passou a enfrentar um acúmulo de trabalho para repor as perdas financeiras. Com essa realidade perversa, a qualidade dos serviços caiu muito.

Além disso, os serviços uniformizam os médicos, desvalorizando aqueles com maior experiência. Muitos profissionais passaram a se descredenciar dos serviços privados para atender apenas a particulares. Entretanto, a maioria da classe médica é ainda refém do sistema, pois tem nos convênios a principal fonte de renda: deixar de atender por planos de saúde significa estar fora do mercado. Ainda mais, perdeu-se hoje muito do que há de mais sagrado no atendimento, que é a relação médico-paciente.

Não é difícil encontrar situações em que o usuário não consegue marcar consulta pelo convênio. Os valores pagos pelas consultas dificulta um atendimento apropriado pelos médicos que, para apressar o diagnóstico, passam a atender em tempo reduzido e a pedir um maior número de exames complementares. Isso onera ainda mais o sistema e aumenta a "bola de neve". Muitos médicos deixaram de realizar determinadas cirurgias por convênios, pois o desgaste e risco a que se expõem não é valorizado. Outra prática que lesa o usuário é a transferência do paciente para acomodações superiores, o que possibilita a cobrança de valores diferenciados pelo procedimento, a forma que encontraram para continuar a atender esses pacientes.

Quem é o culpado? O médico, que luta pela valorização de seu trabalho? As operadoras, que têm promovido a queda da qualidade em prol do lucro? É justo que o usuário, que paga mensalmente por um serviço, ainda tenha de arcar com valores extras para ter acesso aos serviços de saúde?

Uma das propostas de boa parte da classe médica é a uniformização do uso por parte da operadoras da Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos (CBHPM), que apresenta valores-referência a serem pagos pelos serviços. Entretanto, são poucos os seguros de saúde que pagam os valores propostos. A obrigatoriedade da CBHPM tramita no Senado. É necessária uma conscientização e mobilização dos usuários, cobrando de seus planos de saúde mais qualidade, e também dos órgãos governamentais responsáveis, como a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e o Ministério da Saúde. Ainda mais, propomos um novo tipo de regulamentação por parte da ANS: na negociação entre a operadora e o médico, este seria representado pela sua sociedade científica, ao contrário do que ocorre hoje, quando o médico senta-se à frente de uma grande empresa de saúde para negociar numa relação, essa desigual. Esse quadro deve ser revertido o quanto antes para que não assistamos à quebra progressiva do sistema de saúde suplementar.

Manoel Guimarães, médico, é presidente nacional de Honorários Médicos da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU).

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