| Foto: Nicholas Kamm/AFP

“O mais poderoso preditor único da posição do presidente em qualquer tema é a posição de Obama. Ele faz o exato oposto do que Obama fez.” O guia de análise, formulado por Michael Hayden, ex-diretor da CIA, logo após a decisão da Casa Branca de abandonar o acordo nuclear com o Irã, está essencialmente correto. Mas não se trata apenas de Obama: Donald Trump rompe com uma tradição mais antiga, cujas raízes encontram-se no imediato pós-guerra. Nas palavras do próprio Hayden: “Quase todos os presidentes americanos disseram: ‘No fim das contas, quanto mais comércio livre, melhor para os EUA; no fim, a imigração é positiva para os EUA; no fim, os EUA se fortalecem por terem aliados fortes’. Agora, temos um presidente que se opõe ao livre comércio, enxerga os imigrantes como ameaça e vê os aliados como um fardo.”

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A ruptura com o acordo nuclear e a inauguração da embaixada americana em Jerusalém, dois gestos conexos separados por apenas uma semana, formam um grande ato de abdicação de influência. Os EUA subordinaram sua política para o Oriente Médio aos interesses geopolíticos de Israel (ou, dito melhor, à linha extremista do atual governo israelense) e da monarquia saudita, renunciando à interlocução com quase todo o mundo árabe e, ainda, com a Turquia.

Livres da teia de compromissos do acordo, os falcões iranianos ampliarão a presença militar na Síria e reforçarão a cooperação com o Hezbollah libanês, enquanto os moderados, enfraquecidos, buscam amparo diplomático na Rússia, na China e nas potências europeias traídas pela Casa Branca. Respaldado por Trump, Netanyahu avançará no projeto de perenização da ocupação dos territórios palestinos, aprofundando o isolamento internacional e regional de Israel.

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Livres da teia de compromissos do acordo, os falcões iranianos ampliarão a presença militar na Síria

As pedras do dominó desabam em sequência. Sob o patrocínio da Rússia, as negociações sobre o futuro da Síria envolvem o regime de Assad, o Irã e a Turquia, excluindo os EUA. Nas eleições libanesas, em 6 de maio, a coalizão liderada pelo Hezbollah, partido-milícia xiita financiado pelo Irã, converteu-se no maior grupo parlamentar. Já nas eleições iraquianas, em 13 de maio, triunfou a heterogênea aliança articulada pelo clérigo xiita Moqtada al-Sadr, um inimigo dos EUA. Enquanto isso, no Iêmen, a campanha saudita de bombardeios indiscriminados revela-se incapaz de dobrar os rebeldes houthi, que contam com o apoio iraniano.

Trump bloqueou as estradas da diplomacia. A erosão da autoridade do presidente Hassan Rouhani, que apostava no acordo nuclear para recuperar a economia iraniana, desloca poder para a linha-dura dos aiatolás. Depois do massacre de palestinos em Gaza que assinalou com sangue a transferência da embaixada americana, as forças iranianas na Síria e o Hezbollah tendem a multiplicar as provocações contra Israel. Ao mesmo tempo, um Irã submetido a novo ciclo de sanções americanas ampliará seu programa de mísseis e reativará gradualmente o enriquecimento de combustível nuclear.

“Será aberta a caixa de Pandora”, profetizou o francês Emmanuel Macron, concluindo que “pode haver guerra”. De fato, fazendo o “exato oposto do que Obama fez”, Trump monta, involuntariamente, o cenário para uma guerra. Macron observou, acertadamente, que Trump não deseja um conflito militar com o Irã. Deve-se acrescentar, porém, que esse é precisamente o resultado almejado pelo secretário de Estado Mike Pompeo e pelo conselheiro de Segurança Nacional John Bolton, seus novos timoneiros de política externa.

Leia também: Trump e o significado da visita a Jerusalém (artigo de Szyja Lorber, publicado em 26 de maio de 2017)

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As reverberações da explosão representada pela ruptura do acordo nuclear ultrapassam em muito a esfera do Oriente Médio. “A primeira linha de confrontação não é com os iranianos, mas com nossos aliados europeus”, enfatizou Hayden. Um editorial do semanário alemão Der Spiegel caracterizou a decisão de Trump como “a mais perigosa e arrogante” desde a invasão do Iraque, em 2003, mas destacou que, desta vez, os EUA unificaram a Europa inteira, em “choque”, “cólera” e, especialmente, “desamparo”. O impacto abala as fundações da aliança transatlântica erguida pelo Plano Marshall e corporificada na Otan. “O Ocidente, como o conhecemos, não mais existe”, constata o Der Spiegel.

Na hora da ruptura americana do acordo, Ali Khamenei fugiu a seus hábitos, experimentando a ironia. O líder supremo iraniano disse que seu país discutiria o tema com “as duas potências mundiais, China e Rússia”. Os EUA conservam o estatuto de maior potência global, uma condição assegurada pelo seu incontrastável poderio militar e pelo fato decisivo de que o Federal Reserve emite a moeda do mundo. Não estamos diante de uma súbita derrocada americana, mas de algo mais sutil – e inédito.

No passado, a influência do Reino Unido declinou devido ao surgimento de potências mais fortes, enquanto a da URSS se exauriu sob o impacto da combinação de falência econômica doméstica com sucessivas intervenções externas. Sob Trump, como assinalou Richard Haass, os EUA declinam por efeito de uma “renúncia voluntária ao poder e às responsabilidades”. Não é uma boa notícia para o mundo.

Demétrio Magnoli é sociólogo.