Acredito que essas diversas paradas e caminhadas denunciam pessoas que, no mínimo, não se encontraram como seres humanos porque não lhes ensinaram como devem agir

CARREGANDO :)

Tem se tornado bastante comum nos últimos tempos observar em muitas cidades da nossa "aldeia global" paradas, passeatas, marchas de todos os tipos e feitios. Umas reivindicando direitos, outras comemorando vitórias e avanços e outras simplesmente querendo demonstrar força ou chamar a atenção. Pude participar de algumas, não tanto por compartilhar dos ideais apregoados, mas para pesquisar o que tais "massas" comunicam, de forma consciente ou não. Confesso que contemplar tais manifestações sociais me fez pensar bastante, do ponto de vista filosófico-educacional. Algumas indagações se levantavam enquanto observava o caminhar das multidões: será que as pessoas vislumbram, num médio e longo prazo, as consequências desses "direitos" a conquistar? Como é que todos conseguem ter tanta certeza de que será melhor realizar tais "consensos"? Por que tantos comemoram soluções simples a questões que parecem tão complicadas que nem os maiores especialistas se arriscam a tomar posição? Quantos desses milhares de simpatizantes de determinada causa já estudaram a fundo os prós e os contras?

As perguntas poderiam se multiplicar, mas acredito que já bastam para refletir sobre o que poderá estar acontecendo. Sou da opinião de que essas caminhadas podem ser um ótimo indicador do grau de insatisfação social e existencial. Que podem ser também um bom termômetro para medir o resultado dos últimos anos do nosso processo educacional. Em geral, para avaliá-lo se costuma usar alguns índices internacionais (Pisa) ou nacionais (Ideb ou Enem). Mas será que esses instrumentos são suficientes para avaliar também a "alma" da escola? Para auscultar como vai a formação integral do ser humano, como está seu grau de realização existencial? Sou da opinião de que não – mas creio que essas passeatas, sim! Elas podem ser um indicador de que muitas pessoas estão descontentes com sua própria natureza humana e estão querendo experimentar uma nova, com novas leis, novas famílias, novos deuses, novos prazeres, novos sexos. Mas por que estarão descontentes? Porque o homem só se torna verdadeiro homem quando se conforma com sua natureza. Já diz um velho princípio filosófico: "o agir segue o ser". Também pode dizer-se desta forma: "o agir determina o ser". Se o agir for correto, o ser do homem se sentirá feliz. Se for errado, ele se sentirá sem identidade. Portanto acredito que essas diversas paradas e caminhadas denunciam pessoas que, no mínimo, não se encontraram como seres humanos porque não lhes ensinaram como devem agir. Estão clamando para que os ajudem a ser pessoas felizes e com perspectiva de vida. Mas, para que isso ocorra, sabemos, precisam ser auxiliadas por pessoas que conhecem e acreditam em como deve funcionar a natureza humana. Esse deverá ser sempre o fim primordial da educação. Quando isso não acontece, a natureza do homem reclama e se vinga. É o que acredito estar acontecendo na nossa educação faz muito tempo.

Publicidade

Muitos educadores sabem que seu principal desafio no processo de ensino-aprendizagem com uma criança é fazer com que, no futuro, ela afirme, livre e conscientemente, sua própria natureza humana com suas respectivas leis e limitações. É esse o fim último da educação. Já dizia Píndaro: "Torna-te o que és". Por isso, o bom educador sabe que o sucesso educacional foi alcançado se o educando enxergar racionalmente que a realização só virá quando, além do conhecimento científico e cultural, adquirir os princípios éticos e concluir que esse é o caminho da excelência humana. Por outro lado, quando o educador perceber que existe uma tendência cultural para a negação da própria natureza, pode concluir que fracassou como educador.

Estamos percebendo que o fracasso atual da nossa educação é muito mais profundo que a mera falta de aprendizagem escolar. Nós educadores estamos fracassando de forma muito mais dolorosa do que as pessoas imaginam. Mas por que isso nunca aparece nas prioridades educacionais do governo e nas grandes campanhas dos meios de comunicação? Por pura ignorância, no caso da imensa maioria. Por ideologia, para uns poucos, que acreditam numa visão meramente materialista da vida. O fato é que a desordem moral se instalou na nossa cultura nas últimas décadas e isso tem gerado pessoas sem caminho e sem rumo. Pessoas sem transcendência e sem amor. Pessoas sem Deus e sem sentido.

Nós educadores temos de mostrar às grandes multidões que elas precisam é reencontrar o seu Criador e o fim para o qual Ele as criou. Nos séculos18 e 19, Deus foi rejeitado, em prol da ilusão de pensar que assim se eliminaria a culpa e o homem seria por fim livre e feliz. Hoje percebemos que, desse modo, o homem tem de carregar sozinho o peso das suas misérias e faltas. E terá de absolver-se sozinho numa autorredenção, o que parece insuportável. Acredito que, mais do que querer experimentar uma nova natureza, é muito mais feliz buscar Aquele que quer tornar a natureza humana quase uma natureza divina.

João Malheiro, doutor em Educação pela UFRJ. E-mail: malheiro.com@gmail.com Blog: escoladesagres.org